Faça as Malas

A culpa no cinema de Eastwood

por Marcos Craveiro
Publicado em 19 de dezembro de 2011

O  estilo cinematográfico de alguns profissionais da sétima arte – daqueles que evidentemente conseguiram um prestígio junto ao público devido a qualidade de seus trabalhos – é perceptível ao analisarmos os personagens que compõem a filmografia destes cineastas. Um caso genuíno de estilo marcadamente visível é Clint Eastwood, que sempre, seja em roteiros próprios ou de terceiros, imputa alguns sentimentos recorrentes na consciência de seus protagonistas.

Como sua carreira é muito extensa, foi apenas a partir da ruptura com o ofício exclusivo de ator (o que ocorreu no final da década de oitenta e início dos anos noventa) que Clint passou a imprimir em seus trabalhos uma identidade que o fez se distinguir de seus colegas de set e ter se tornado um dos maiores gênios da cinematografia contemporânea. É interessante o fato de que, mesmo depois de largar o chapéu e as botas sulistas, Clint continua participando do elenco da maioria de suas obras.

“Os Imperdoáveis”
Já conhecido mundialmente pelos faroestes em que atuou desde os anos 50 (com destaque para a série “Por Um Punhado de Dólares”), Eastwood pode ser considerado um dos responsáveis pelo ressurgimento dos filmes de bang-bang com “Os Imperdoáveis”, obra-prima do diretor que, em 1993, venceu como melhor filme do ano no Oscar. Nele, dois pistoleiros aposentados (Morgan Freeman e o próprio Clint) voltam a ativa quando 1000 dólares são oferecidos para que eles matem o homem que esfaqueou o rosto de uma prostituta.

Mais do que um faroeste, Clint constrói um drama sutil, delicado e que exala competência. A grande questão levantada pela produção é a sensação de não-pertencimento dos protagonistas diante de uma situação que não é mais a sua realidade, uma vez que outros fatores, como a inabilidade motora e ocular, a responsabilidade familiar e preocupações morais influenciam na puxada do gatilho.

“As Pontes de Madison”
 Três anos depois, em 1995, adaptou o romance “As Pontes de Madison” para as telonas. Na história, Francesca Johnson (Meryl Streep) sofre com a maior decisão da sua vida: continuar casada e infeliz ou ignorar marido, filhos e os olhos preconceituosos dos habitantes do vilarejo em que mora e fugir com o fotógrafo Robert Kincaid (Eastwood). A história do romance entre os dois é descoberta por meio de cartas encontradas pelos filhos de Francesca, logo após sua morte. A aventura amorosa da mãe faz com que eles repensem seus próprios casamentos.

“Sobre Meninos e Lobos”
 Em 2003, foi a vez da pedofilia entrar no rol de temas de Clint, quando ele mostrou para o mundo “Sobre Meninos e Lobos”. No filme, Jimmy, Dave e Sean (Sean Penn, Tim Robbins e Kevin Bacon, respectivamente) vivem três grandes amigos de infância que sofrem com as consequências irreversíveis de uma decisão do passado. Enquanto brincavam na rua, são interceptados por um suposto policial que diz querer levar Dave para casa (pois ele morava mais longe que os outros dois). Após entrar no carro, as vidas dos três amigos mudam radicalmente, pois eles descobrem que se tratava de um maníaco que abusa sexualmente de Dave e afeta mentalmente o trio para sempre.

“Menina de Ouro”
Um ano depois Clint, vence novamente o Oscar de melhor filme com “Menina de Ouro”, um forte drama que usa o boxe como catalisador da luta interna que os três protagonistas enfrentam diariamente: o treinador Frankie Dunn (Eastwood) não sabe como se reconciliar com a filha, única ligação familiar que possui; Eddie Dupris (Morgan Freeman) procura algum sentido na vida após se aposentar por invalidez do pugilismo, sua única paixão na vida; e, para tentar ajudar, surge Maggie Fitzgerald (Hilary Swank), uma recepcionista solitária que vê no boxe a saída para sua vida miserável. A persistência e determinação de Maggie amolecem o coração de Frankie, mas um incidente faz com que eles revejam sua existência e comportamento diante da vida.

“Gran Torino”
 2008 foi o ano de “Gran Torino”, que apresenta um Clint mais velho, mas nem um pouco menos competente. Ele interpreta Walt Kowalski, um veterano da Guerra da Coréia, que tem o desafio de confrontar seus próprios preconceitos após a mudança de alguns vizinhos orientais imigrantes. O racismo incrustado em sua rabugenta personalidade tem como contraponto a amizade que cresce entre o inflexível militar e Duke (Cory Hardrict), um garoto coreano que se mudou para a casa vizinha e um certo dia tenta roubar o único amor de Walt: seu velho Gran Torino.

“Além da Vida”
Seu mais novo trabalho tem como pano de fundo a morte e como ela pode afetar diversos tipos de pessoas. “Além da Vida” estreou este ano no Brasil e apresenta George (Matt Damon), um ex-médium que considera ser amaldiçoado pela capacidade de conversar com os mortos, Mary e Billy, uma jornalista francesa e um garoto inglês, que sofrem experiências ligadas à morte e buscam a todo custo uma maneira de entender como devem viver dali pra frente. O roteiro mostra como as aflições e dúvidas dos três protagonistas se esbarram e podem se completar.

Utilizei alguns exemplos da obra de Clint Eastwood para mostrar como seu trabalho é completo. Dizem que seu comportamento no set é irritante, uma vez que ele exige completo silêncio, mesmo nos momentos em que não se está filmando, e não poupa esforços para repetir um take quantas vezes forem necessárias até que ele fique perfeito (chatices que rendem mais qualidade para nós, espectadores!). Outra marca registrada do diretor é compor pessoalmente, sempre que possível, as trilhas sonoras de seus filmes. São canções feitas em piano, que esbanjam sutileza, criatividade e conformidade com o sentimento de cada cena ou personagem. É muito interessante reparar em cada acabamento dado às produções Clintnianas e se dar conta de como seu cinema cresceu em sabedoria juntamente com ele.

Voltando a falar dos temas, percebe-se, acompanhando a trajetória de filmes de sua fase contemporânea, que sentimentos como a culpa, o remorso, o apego, o rancor, a desilusão, a saudade, a solidão, o amor e a necessidade da família, entre outros, são recorrentes em suas histórias, e trabalhados não de maneira maniqueísta, mas fazendo com que todos os personagens sejam complexos e existam por um motivo especial. Ninguém está ali só para ocupar uma lacuna dramática, nem é mal entendido pelo espectador. Todos têm alguma afetação passada, que consegue ser identificada e passa a ser ponto de reflexão para quem está assistindo.

Eastwood é expert em escolher os filmes certos, produzi-los de maneira única e se tornar cada dia mais competente. É um prazer viver na mesma época que um profissional tão competente, que já me fez rir, chorar, pensar e simplesmente fazer o tempo passar: para mim, os motivos da magia do bom cinema.

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