Consoantes Reticentes…

A Chave para a Felicidade

por Marcelo Sguassábia
Publicado em 1 de março de 2012

Uma das palavras que carrego comigo nas pretensões que traço para o futuro é UTOPIA. Ela veio como quem não quer nada, nas aulas de História do Ensino Médio, e me arrebatou de tal maneira que nunca mais buscar algo que me deixasse próximo da felicidade foi igual. Ela me ajudou a ser otimista, ver o copo meio cheio em toda e qualquer situação. A partir de então, defendo a ideia de que não é a concretização de um sonho que o torna especial, mas sim o processo para se chegar até ele é que edifica. Por vezes me via frustrado em meio a um resultado satisfatório, mas olhava para trás e percebia que tudo que eu havia passado para chegar até ali é que tinha me fortalecido e proporcionado momentos de intensa alegria. A contraditória frustração estava exatamente no fim do caminho, na falta de um horizonte a continuar seguindo, no término de um processo que eu esperava tanto que acabasse e que não fazia mais sentido.

Esta semana me deparei, diante da telona do cinema, com um personagem que resgatou a percepção utópica adormecida em mim há algum tempo. Se era comodismo, levei um bofetão capaz de fazer com que eu reavaliasse meus planos futuros. O dito cujo se trata de Oskar Schell (interpretado brilhantemente pelo estreante Thomas Horn), um inquieto garoto prodígio de 11 anos que sofre com a ausência do pai, Thomas Schell (Tom Hanks), morto durante o atentado ao World Trade Center. Após um ano do “pior dia”, como ele mesmo se refere ao 11 de setembro, Oskar finalmente tem a coragem de mexer nas coisas do pai a fim de estender os oito minutos de convivência com ele (em referência metafórica à luz do Sol, que ainda permaneceria oito minutos iluminando a superfície da Terra caso a estrela maior explodisse).

O jovem protagonista acaba descobrindo um envelope contendo uma chave e a inscrição “black” no verso, o que o instiga a sair por Nova York procurando uma possível fechadura que se encaixe ao objeto encontrado e revele algo que torne menos insuportável o seu futuro sem a presença do pai. Resgatando o conceito original do termo utopia, que significa um lugar ideal e distante do mundo real, o roteiro de Tão Forte e Tão Perto (Extremely Loud & Incredibly Close) discute a força da vontade, a perseverança e a forma mais sublime de sermos fieis aos nossos desejos: nunca pararmos de procurar.

Apesar de ter recebido inúmeras críticas negativas e ter sido completamente ignorado pela Academia do Oscar (de quem havia recebido duas indicações, inclusive a de Melhor Filme) no último domingo, Tão Forte e Tão Perto me chamou a atenção pelas reflexões inseridas nas entrelinhas das falas, nos olhares silenciosos, nas expressões sutis do elenco e na complexidade de sentimentos pelos quais Oskar tem de passar na busca pela sua felicidade. Ao supor que o termo “black” se referia a um sobrenome, o garoto passou a visitar cada um dos centenas de “black” inscritos na lista telefônica da cidade. E é nesta verdadeira odisseia contemporânea que a personalidade de um protagonista que de tão antissocial beira a esquizofrenia vai sendo construída e a própria percepção de mundo dele se amplia com os encontros e aprendizados ao longo do caminho.

No meio de tudo isso, uma mãe ofuscada pelo brilho inapagável do pai morto tenta compartilhar o próprio sofrimento com o filho e ajudá-lo a amenizar o dele. Linda Schell, interpretada por Sandra Bullock (que merecia pelo menos uma lembrança no Oscar deste ano, diferentemente da injusta estatueta de Melhor Atriz que levou em 2010 pelo papel medíocre em Um Sonho Possível), quer se aproximar de Oskar, que se esquiva de todas as maneiras, vivendo em um mundo completamente diferente do dela, mesmo com os dois morando sob o mesmo teto. Para ele, a mãe é ilógica, irracional, tem um pensamento que não faz sentido e não busca respostas para todas as questões do mundo, assim como ele e o pai falecido. O estopim ocorre quando, após o desaparecimento do corpo de Thomas em meio aos escombros das torres gêmeas, Linda aceitou fazer um enterro simbólico com um caixão vazio, o que pareceu uma afronta à capacidade intelectual de Oskar. A missão de Linda, agora, é se reaproximar daquele garoto frágil, ferido e carente, que apenas quer respostas.

No fundo, acho que me pareço com Oskar. Hoje sei que a constante inquietude presente no protagonista também está em mim desde sempre, e que estou numa frequente busca de algo que nem sempre sei o que é. Costumo deixar um pouco de mim nas pessoas que encontro pelo caminho, e levar um pouco delas comigo. O segredo que aprendi com Tão Forte e Tão Perto é que, por mais que nos custe uma vida toda, nunca devemos parar de procurar, mesmo diante das dificuldades impostas pela vida. Afinal, “as coisas fáceis de serem encontradas não merecem ser procuradas” (Thomas Schell).

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