Bem-estar

O mito do sexo frágil

8 de março de 2022

(*) Por Vagner Couto

Pra começar, nesse Dia Internacional da Mulher, quero render-me e dizer que a expressão “sexo frágil” atribuída à mulher é uma construção machista. Infinitas vezes, posso dizer, fui consolado e fortalecido em minha fragilidade humana pelo colo ou pela atenção potente de uma mulher – seja amiga, mãe, namorada ou companheira.

A expressão “sexo frágil” é, em si mesma, uma aberração da linguagem, uma ideia mentirosa e preconceituosa, gestada como artifício da arrogância masculina, eis que, por decorrência, tal expressão induz a outra ideia mentirosa, ou seja, a de que o homem, o macho, consequentemente, é o “sexo forte”.

Preciso discordar de tal ideia – conforme já estou discordando, já que esse pensamento é distorcido e estendeu-se, preconceituosa e maliciosamente, a uma pretensa superioridade do homem sobre a mulher como um todo – em dimensões biológicas, emocionais, intelectuais e até espirituais – e isso é científica, social, cultural e moralmente discutível. Essa distorção possibilitou um tipo de hierarquização da sociedade e família em que se confunde lugares e papéis com poder e de submissão.

Um aspecto hediondo dessa construção é observado no mundo do trabalho, no privilégio do homem em relação à mulher em questões como acesso a cargos de liderança ou desigualdade de salários. Além disso, durante séculos algumas atividades não foram realizadas pelas mulheres, pois promoveu-se que apenas o homem poderia realizá-las. Nas últimas décadas, porém, ficou demonstrado que esta construção não tem fundamento: hoje as mulheres desempenham todo tipo de trabalho e tarefas. Há mulheres trabalhando na construção civil, como motoristas de ônibus e caminhões, ou como bombeiras, policiais, mecânicas, eletricistas etc.

E muito mais, ainda: é possível vê-las na liderança de nações, de organismos internacionais, de corporações nacionais ou multinacionais, nas mais diversas instituições, negócios, profissões e atividades, bem como na arte e na cultura, e, também, sustentando famílias – e talvez aqui esteja a lâmina mais ferina ao orgulho do homem contemporâneo, que o faz vítima do seu próprio machismo e arrogância: dentro de sua própria casa, ele não ser o provedor.

Quanto a tudo isso, porém, algumas ideias e valores podem ser desconstruídos.

Situação biológica
Do ponto de vista biológico, pesquisa desenvolvida na Universidade Duke, da Carolina do Norte (EUA), mostra que durante momentos históricos em que ambos os sexos enfrentaram altos níveis de mortalidade, as mulheres sobreviveram a até quatro anos a mais do que os homens. Ou seja, em tempos de adversidades, as mulheres se saem melhor do que os homens nos quesitos resistência e sobrevivência – já que o corpo das mulheres tende a ser mais bem “equipado” que o dos homens.

Expectativa de vida
E tem mais: segundo dados do IBGE, em suas “Tábuas de Mortalidade”, a expectativa de vida dos brasileiros, em 2020, sem a pandemia, seria, para os homens, de 73 anos, e, para as mulheres, de 80 anos. O mesmo IBGE informa que, em 2019, um homem de 20 anos tinha 4,6 vezes mais chance de não completar os 25 anos do que uma mulher do mesmo grupo de idade. Outras pesquisas demonstram que, em todos os países, as mulheres vivem mais que os homens, com uma expectativa média mundial de 73 anos, contra 69 anos para os homens. Assim como que, no primeiro mês de vida, por razões biológicas, os meninos têm 10% mais chances de morrer do que as meninas.

Sobrevivência emocional
Mas, como o que mais importa aqui é o campo da resiliência, da força interior… – emocional, mental e espiritual, a potência da mulher também surpreende. Pra não ir muito longe, vou citar somente um tema bem atual – sem entrar em detalhes sobre as suas motivações e características: suicídio. As pesquisas apontam que, do total de mortes registradas por suicídios no Brasil, cerca de 75% são de homens. E, mundialmente, a morte por suicídio ocorre cerca de 1,8 vezes mais frequentemente entre homens do que entre mulheres.

Muitas são as variáveis que incidem nesses números, mas é senso comum entre pesquisadores e profissionais de saúde mental de que as mulheres costumam se recuperar mais rápido de seus traumas do que os homens, por possuírem mais recursos psicológicos do que eles – cujo ponto de ruptura emocional é mais frágil.

Enfim
Enfim, reconheço o machismo estrutural em minhas entranhas, e o reconheço como uma doença moral e mental de nossa sociedade, assim como o reconheço como uma ideologia torpe e insensível, impregnada no sistema econômico e político mundial, nas religiões, na mídia e nas família, causa de muitas mazelas a que todos estamos sujeitos, e não somente as mulheres – e que não nos deixa muito pra onde correr.

Diante disto, posso dizer que uma das minhas esperanças em dias melhores é depositada na possibilidade de cada vez mais as mulheres fazerem valer, perante os homens e si mesmas, o seu lugar e natureza, trazendo mais equilíbrio às nossas deterioradas relações. Lugar de fala e de ação já expressas por nova feminilidade e novo feminismo em nosso mundo, que reconheço como legítima defesa e estratégia de sobrevivência ante o machismo estrutural que fere, mata, abusa, explora e desrespeita. Fala e ação que precisam ser escutadas, compreendidas e acolhidas pelos homens – e não como deferência de nossa parte.

Se nós, homens, pudermos compreender tudo isso, talvez possamos escrever junto com as mulheres uma nova história, com novas linguagens, sentidos e possibilidades. Sendo efetivos e pacíficos companheiros de caminhada, tal como creio ser a ideia original.

Como lidar com tudo isso? Psicanálise, terapia, autoconhecimento – algo assim.

(*) Vagner Couto é psicanalista – (19) 99760 0201 – vagnercouto1@gmail.com

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