(*) Por Vagner Couto, psicanalista
Estamos aqui, solidários, diante de um admirável momento novo. Cumprimos os rituais de sempre, adoramos os mesmos santos e invocamos as mesmas graças. Tudo normal nesse mar sem igual. A vida corre célere, rumo ao seu destino, e, juntos, vamos nós, nesse galope de rédea solta. O destino não tem fronteiras e o cavaleiro é aprendiz.
Quando se usa a ótica de sempre é difícil perceber o novo. Com o tempo é assim. Com o dia. Com o momento. Olhar e não enxergar é o prisma que se tem da perspectiva que se permite. Superficialidade ao extremo mais um vazio profundo resulta numa vida sem sentido, sobrecarregada de valores dispensáveis, transformáveis, e carentes de um nexo, um verso, uma boa prosa.
A lei da Terra é o progresso. Por isso tantos foras da lei, banidos de sua verdadeira sina, infiéis à sua própria verdade, implorando o momento capaz de apagar da memória de suas vidas o que nunca conseguiram ser, e prometendo o que ainda não são capazes de cumprir, por conta de suas conveniências.
O que acontece, o que se dá na vida de cada pessoa vem de acordo com a lei, de acordo com a ordem universal, que tem seus princípios e consequências. Assim, a situação que induz à petição global de um novo momento diferente do que se vai nada mais é que a insatisfação com a colheita a que cada um faz jus pelas atitudes antepassadas. Ao fundo da grande cena o merecimento de cada um determina o transcorrer da história, ao tempo que o transcorrer da história determina o merecimento de cada um. O novo tempo vem e requer reciprocidade.
“Deixar a angústia para trás, descortinar o véu da tristeza e desamarrar as amarras da culpa. O alimento da vida é a ação construtora de um mundo melhor. Abrir espaço em si, arar o ser, desmatar-se…”
Um momento que vai e outro momento que vem são extratos da mesma realidade, são movidos pela mesma força. O que difere é a temporalidade de cada um. Essa temporalidade questiona a nossa própria concepção do tempo: o que eu digo, disse, já passou. Renascemos a cada instante, mostrando o movimento cíclico que rege o nosso mundo relativo – mas expressando a manifestação do eterno…
De um momento novo, em geral, tudo o que vem é melhor que o que foi, nada será como antes, e Tao. O que vem, o futuro, é a compreensão individual, a percepção do cosmos, o entendimento da dimensão do eu, presente. Num momento novo se diz: vida nova! Quer dizer: a mesma velha vida, com um pouco de sorte, se transformará. O passado é passado, o que vem é abençoado por Deus, tudo dará certo, nada temos a temer. Vamos em frente e tudo bem!
As esperanças são estas. Se assim não fosse, de que serviria um momento novo? Ele tem de ser, por princípio, a oportunidade universal da reconciliação de cada um com todos e consigo mesmo. Começa com a alegria, continua com o transformismo e reencontra seu cotidiano veloz e voraz, rumo à mais imediata evolução, moldando e revelando a face do amanhã, concebendo a realidade do aqui-agora e determinando o vir a ser de cada um. Obedecer ou não à cósmica força regente fica por conta do nosso arbítrio.
A receita não consta em nenhum compêndio, mas seu fundamento pode se confirmar na experimentação. Todos podem e devem colocar a mão na massa. O tempo está quente, no ponto exato pra fazer crescer todo aquele que se lida bem, que sabe tocar em seus pontos de fermentação, de ativação da sua alquimia existencial. Os ingredientes elementares são os atributos individuais, conforme a sua espécie, e a medida é a necessidade de cada um. Como preparar-se vem a seguir.
Deixar a angústia para trás, descortinar o véu da tristeza e desamarrar as amarras da culpa. O alimento da vida é a ação construtora de um mundo melhor. Abrir espaço em si, arar o ser, desmatar-se (renascer). Participar, dar de si o bem, contribuir com sua atitude, e respeitar-se. Adubar o coração pra receber o amor. A alquimia existencial é precisa, e necessária.
“Não aceitar a normalidade do erro e o sectarismo das culturas. Não culpar a outrem por seus desencontros pessoais. Buscar saber o que é, mesmo, que rege o movimento da vida e a trajetória da evolução.”
Quem canta seus males espanta, dependendo do que cante. Cantar, então, o sol, a chuva, o mar, a mata, o céu, o ser humano. Adoçar a vida com o mel das flores do jardim encantado do agir correto. A dor colhida no ontem libera a terra para o plantio da paz. Ir devagar, lentamente, parando, até, com a dor, o ódio, a raiva, a revolta e mais, pois Deus é grande. Não duvidar do seu poder. Ter a fé, ter a convicção que em si aloja-se a capacidade criadora.
Desvendar-se, conhecer-se, conhecer a potência da semente. Florescer, frutificar, multiplicar a somatória de esforços. Descobrir em si o caráter da unidade universal existente em todos. Não aceitar a normalidade do erro e o sectarismo das culturas. Não culpar a outrem por seus desencontros pessoais. Buscar saber o que é, mesmo, que rege o movimento da vida e a trajetória da evolução. Não se marginalizar ao movimento da história. O progresso é cibernético e a coexistência é tribal. A sustentabilidade vem, a justiça vem, o equilíbrio também, desde que busquemos. A liberdade mora dentro e atende ao reconhecimento do dom da vida. A interdependência regula tudo, a consciência alcança transcendências e os novos sentidos se revelam.
Nada será como antes, e nada é igual a nada. Vamos trabalhar, agir, transformar, construir um mundo novo. Vamos reagir, recomeçar. Abolir o preconceito e investir na renovação. Tem muito chão, tem todo o tempo e não há pressa. Vamos reencontrar nosso sentido. Vamos descobrir, abrir e ocupar o nosso lugar. Lapidar nossas arestas e aprimorar nossas condições. Tirar a poeira das lentes dos olhos. Penetrar mais fundo na superfície da vida. Erigir um monumento ao nosso progresso. Firmar o passo e crescer para si. O destino não tem fronteiras e o cavaleiro é aprendiz.
Como lidar com tudo isso? Psicanálise, terapia, autoconhecimento – algo assim.
(*) Vagner Couto – (19) 99760-0201 – [email protected]
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