Por Carlos Favareto
Foto de 1953. Conjunto Marlene Sant’anna Reiman – Centro de Memória Unicamp
Há alguns anos, um evento tem recuperado o pioneirismo de Campinas no automobilismo brasileiro. O “Circuito do Chapadão”, ou “Volta do Chapadão”, realizada em julho, mês do aniversário da cidade, resgata o período áureo em que um piloto fez história no antigo circuito do tradicional bairro: Benedicto Moreira Lopes.
Quem está trazendo de volta essa história à tona é Ronaldo “Topete” Moreira, que organiza a atual “Volta do Chapadão”. Mecânico apaixonado por carros antigos, mantém sua própria oficina automotiva em Campinas, é ‘personal car’, dirige veículos clássicos, é pesquisador e atua na consultoria histórica.
Ele conta que antes de Interlagos se tornar sinônimo de velocidade e competição no país, Campinas já despontava como palco do esporte. A cidade sediou sua primeira corrida oficial em 1935, quando o automobilismo ainda dava seus primeiros passos no Brasil. Naquela época, ainda sem autódromos, as corridas aconteciam nas ruas, principalmente no Circuito da Gávea, no Rio de Janeiro, e em Campinas, consolidando a cidade como uma das pioneiras do esporte a motor no país.
Entre os anos 1935 e 1967, o automobilismo campineiro viveu seu auge, com provas oficiais organizadas pelo Automóvel Clube local. Outros municípios do interior paulista, como Poços de Caldas e Piracicaba, também entraram na rota das competições, mas Campinas manteve-se como destaque e referência, inclusive devido à estrutura dos seus circuitos, que evoluíram com o tempo para acompanhar as necessidades crescentes de velocidade e segurança.
Foto – crédito: Wikipedia
Filho de Campinas, mecânico autodidata, piloto audacioso e verdadeiro desbravador do esporte a motor no Brasil, Benedicto Moreira Lopes, nascido em 11 de novembro de 1904, é uma daquelas figuras que a história às vezes esquece — mas que eventos como a “Volta do Chapadão”, fazem questão de lembrar. Utilizando sempre o número 6 em seus carros, Benedicto foi pioneiro em um esporte que tem hoje mais de 50 milhões de fãs brasileiros, segundo uma pesquisa do IBOPE.
Lopes começou sua trajetória no automobilismo em 1934, no 2º Grande Prêmio do Rio de Janeiro, no famoso Circuito da Gávea. No ano seguinte, participou da primeira “Volta do Chapadão”, em Campinas, com um Ford V8 adaptado por ele mesmo. Mas foi em 1937 que escreveu definitivamente seu nome na história. Após ser convidado pelo governo português, Lopes embarcou com seu carro em um navio rumo à Europa para disputar duas corridas: uma no Autódromo de Estoril e outra em Vila Real. Voltou com resultados expressivos — segundo e terceiro lugares — e com um feito inédito no currículo: ser o primeiro piloto brasileiro a competir internacionalmente com recursos próprios, uma década antes de Chico Landi correr pela Ferrari.
Foto – acervo Ronaldo Topete
O retorno ao Brasil foi igualmente marcante. Ainda em 1937, logo após a experiência em Portugal, Benedicto venceu a prova em Campinas — a “Volta do Chapadão” daquele ano — dirigindo um Alfa Romeo. A taça da vitória, preservada até hoje, é símbolo não apenas da conquista, mas da ousadia e do pioneirismo que marcaram sua carreira. Lopes seguiu competindo até 1951, quando problemas de saúde o forçaram à aposentadoria. Em sua última corrida, no Circuito do Maracanã, no Rio de Janeiro, mais uma vez correu entre os grandes, consolidando um legado que muito ultrapassa a pista.
Em 21 de janeiro de 1988, o Congresso Nacional concedeu uma pensão especial vitalícia para Benedicto Lopes, considerado pioneiro do esporte automobilístico brasileiro. O piloto faleceu em 8 de agosto de 1989. Atualmente, uma lei municipal define o último domingo de julho como o “Dia do Antigomobilista Benedicto Lopes”.
Confira sua trajetória como piloto:
Data | Torneio | Resultado | Veículo |
---|---|---|---|
3 de outubro de 1934 | 2º Grande Prêmio Cidade do Rio de Janeiro | não completou | Bugatti T37A 1500 |
2 de junho de 1935 | 3º Grande Prêmio Cidade do Rio de Janeiro | acidente a 3 voltas da final, quando liderava a prova | Ford V-8 3600 |
23 de junho de 1935 | 1º Circuito do Chapadão (Campinas – SP) | parou na 26ª volta (de 44) | Ford V-8 3600 |
29 de março de 1936 | Prêmio Termal (Poços de Caldas – MG) | 2º lugar | Ford V-8 3600 |
7 de junho de 1936 | 4º Grande Prêmio Cidade do Rio de Janeiro | não completou | Ford V-8 3600 |
12 de julho de 1936 | 1º Grande Prêmio Cidade de São Paulo | não completou | Ford V-8 3600 |
6 de junho de 1937 | 5º Grande Prêmio Cidade do Rio de Janeiro | 6º lugar | Alfa Romeo 8C 2300 Monza |
25 de julho de 1937 | 6° Circuito Internacional de Vila Real (Portugal) | 3º lugar | Alfa Romeo 8C 2300 Monza |
15 de agosto de 1937 | 3° Circuito Internacional do Estoril (Portugal) | 2º lugar | Alfa Romeo 8C 2300 Monza |
1 de setembro de 1937 | Grande Prêmio de São Paulo (Jardim América) | 1º lugar | Alfa Romeo 8C 2300 Monza |
19 de setembro de 1937 | 2º Circuito do Chapadão (Campinas – SP) | 1º lugar | Alfa Romeo 8C 2300 Monza |
12 de junho de 1938 | 6º Grande Prêmio Cidade do Rio de Janeiro | não completou (acidente) | Alfa Romeo 8C 2300 Monza |
29 de outubro de 1939 | 2º Circuito da Gávea (Rio de Janeiro) | 2º lugar | Alfa Romeo 8C 2300 Monza |
12 de maio de 1940 | Grande Prêmio São Paulo | 4º lugar | Alfa Romeo 8C 2300 Monza |
28 de setembro de 1941 | 7º Grande Prêmio Cidade do Rio de Janeiro | não completou | Maserati 4CL 1500 |
28 de julho de 1946 | Circuito da Quinta da Boa Vista (Rio de Janeiro) | 3º lugar | Maserati 4CL 1500 |
30 de março de 1947 | 2º Grande Prêmio de Interlagos | não completou | Maserati 4CL 1500 |
7 de dezembro de 1947 | Circuito da Quinta da Boa Vista (Rio de Janeiro) | 1º lugar | Maserati 4CL 1500 |
21 de março de 1948 | 3º Grande Prêmio de Interlagos | 3º lugar | Maserati 4CL 1500 |
11 de abril de 1948 | Circuito Internacional de Interlagos (São Paulo) | 3º lugar | Maserati 4CL 1500 |
25 de abril de 1948 | 9º Grande Prêmio Cidade do Rio de Janeiro | 2º lugar | Maserati 4CL 1500 |
4 de julho de 1948 | 1º Circuito Cidade de Petrópolis | 1º lugar | Maserati 4CL 1500 |
19 de setembro de 1948 | 1º Prêmio Crônica Esportiva (Interlagos, SP) | 3º lugar | Alfa Romeo 8C 2900B |
27 de março de 1949 | 10º Grande Prêmio Cidade do Rio de Janeiro | não completou | Bugatti |
13 de janeiro de 1952 | 5º Grande Prêmio Cidade de São Paulo | 6º lugar | Maserati 4CL 1500 |
20 de janeiro de 1952 | 11º Grande Prêmio Cidade do Rio de Janeiro | não completou | Maserati 4CL 1500 |
3 de janeiro de 1954 | 13º Grande Prêmio Cidade do Rio de Janeiro | não completou | Ferrari 2000 |
3 de abril de 1954 | 3º Circuito do Maracanã (Rio de Janeiro) | 1º lugar | (dado não disponível) |
Foto – acervo Ronaldo Topete
A troca de um Ford V-8 para a Alfa Romeo 8C 2300 é, no mínimo, curiosa. A carroceria italiana era bem melhor que a inglesa e pertencia a uma corredora mulher, Hellé Nice, que correu no primeiro GP de São Paulo em 1936, mas sofreu um cruel acidente, que matou dois soldados da força pública, três militares e um civil, além de 12 pessoas feridas. Após o acidente, Benedicto negociou com a pilota o carro batido.
Hellé Nice enviou as peças diretamente da Itália para a oficina de Benedicto no Rio de Janeiro, que reformou o carro que foi seu companheiro até 1940.
Posteriormente, o carro foi vendido para a Europa.
Durante mais de três décadas, Campinas foi palco de circuitos urbanos que ajudaram a moldar o automobilismo brasileiro. O primeiro, montado em 1935 na região do Chapadão, servia de cenário para as disputas quando o Brasil ainda engatinhava no esporte a motor. Essas pistas, montadas nas próprias ruas da cidade, exigiam esforço logístico e muita coragem dos pilotos — em um tempo em que segurança era quase inexistente.
A cada edição, o traçado do circuito se adaptava. A evolução tecnológica dos carros, que passaram a atingir velocidades mais altas, forçou mudanças na engenharia das provas: ruas mais largas, trajetos mais seguros, sinalização reforçada. Isso tudo aconteceu ainda antes da existência de autódromos como o de Interlagos, que só foi inaugurado em 1940, depois que um grave acidente em uma corrida de rua na capital paulista levou um empresário a doar o terreno à prefeitura. Até então, Campinas era a referência.
Com o tempo, a pressão por segurança cresceu. Os anos 1950 viram os circuitos urbanos começarem a desaparecer em favor dos autódromos fechados. Ainda assim, Campinas resistiu até 1967, quando realizou a prova do circuito San Quirino como alternativa emergencial à interdição de Interlagos. Foi ali que nomes como Emerson Fittipaldi mostraram o protótipo do Fórmula V — um carro de corrida acessível, com chassi tubular e mecânica de fusca, feito para formar novos pilotos. Era o sinal de uma nova era.
A transição foi definitiva. As corridas de rua passaram a ser vistas como perigosas. Casos como o de Poços de Caldas, que sediou sua última corrida em 1959, terminaram em tragédia, com carros desgovernados invadindo a plateia. A regulamentação proibiu de vez esse tipo de competição e selou o fim das pistas improvisadas.
Foto – acervo Ronaldo Topete
Sendo o último domingo de julho o “Dia do Antigomobilista Benedicto Lopes”, é quando ocorre em Campinas a “Volta do Chapadão”, um evento dedicado à memória do esporte a motor, que voltou a ser realizado em 2017, após o mecânico e piloto profissional Ronaldo Topete levar a história das corridas que eram realizadas entre os anos 1930 e 50 no local ao poder público.
A proposta também é recordar e levar ao público toda essa história de que Campinas foi um grande centro de automobilismo e um campineiro foi uma das grandes figuras neste universo e responsável por este reconhecimento.
Em 2025, neste mês que Campinas celebra 251 anos da cidade, o evento vai ocorrer em 27 de julho, a partir das 9h, e ocupará o balão da Torre do Castelo, local do primeiro circuito oficial da cidade em 1935.
Acervo Ronaldo Topete
O evento reúne uma exposição exclusiva de carros antigos de competição e de passeio, todos com mais de 50 anos. A festa ainda terá uma simulação de largada, com colecionadores utilizando roupas dos anos 1920 e 1930, conduzindo veículos das corridas de rua, reforçando o espírito da competição que marcou Campinas entre 1935 e 1967.
Além dos carros, o evento contará com uma área gastronômica e apresentações musicais que prometem transportar os visitantes a um domingo nostálgico. A iniciativa continua sendo organizada por Topete, em parceria com a Prefeitura.
A convite do Campinas e Região Convention & Visitors Bureau (CRC&VB), que organiza o “Chefs Campinas”, evento gastronômico na Praça Carlos Gomes que celebra o aniversário da cidade, os organizadores da “Volta do Chapadão” irão expor um Ford 1932 e um Chevrolet 1933 conversível, com o objetivo de divulgar o evento no final do mês, e levar ao público a oportunidade de ver um exemplar de automóvel na versão passeio e outro na versão competição.
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