“A Mulher de 30 ou mais…

Lindamara olha para o espelho e desabafa:

Consegui, alcancei a reta de chegada! Sou uma campeã! Vitória! Sim! Eu não sou mais uma menina inocente, aquela que acreditava no mundo lúdico das princesinhas, não espero mais o príncipe encantado chegar. Faço parte agora das mocinhas modernas, que vão à luta! Sobem em cavalos e pegam a espada e batalham! Não ficam mais deitadas esperando beijos, sapatinhos, ou dormindo num sono eterno.

Nem sou mais uma adolescente explodindo em hormônios e espinhas. (imita sons de pequenas explosões pipocando pelo corpo e rosto). Nem sou mais a mulher inexperiente dos vinte e poucos anos. Não… “Enfim, o Fim! Eu agora sou “A Mulher de “TRINTA” – um pouquinho mais… bem mais… na verdade.

Sabe, é que eu me distrai um pouco e perdi a conta – nunca fui muito boa em Exatas. Deixa pra lá – “30” Ê ê ê… (cai em si) e… e… e… me ferrei, eu tenho trinta e cin… e não fiz nada, meu mestrado, então… quanto tempo vai levar pra eu ter meu doutorado? Espera! Eu primeiro preciso arrumar um bom partido. Sim, mas pra isso eu preciso frequentar bons lugares, pra isso eu preciso estar em forma, e bem vestida…

Até eu conhecer o príncipe… depois namorar, aí ele me pedir em casamento, e daí eu engravidar, meu Deus! Eu vou ser uma mãe com cara de avó! Os meu óvulos já devem estar envelhecendo como os de uma pata choca, ai… me sinto uma galinha D’angola, to fraca, to fraca, (abre uma lista) abacate, alcachofras, ervilhas, maçãs, aspargos, morangos, leite magro, aveia, café, brócolis, feijão, espinafre e outras folhas verdes, tomates, amêndoas, cenouras, kiwi, mangas, mirtilos, chá verde e arielas. Arielas? Mirtilos? São desse planeta?

Nossa eu preciso comprar tudo isso para ser saudável e encontrar um príncipe saudável e gerar um herdeiro saudável. Mas se eu for comer tudo isso não vai dar tempo, até comprar tudo, preparar, comer, eu não faço mais nada da vida, só vou ficar em casa roendo tudo isso como um hamster. Alcachofra é caro, amêndoa é caro, eu vou à falência, não vou ter dinheiro pra frequentar os lugares dos bons partidos. Não conhecerei príncipe porrr… caria nenhuma.

Melhor não comer nada disso, cheguei nos trinta e cin… assim, eu tenho é que continuar malhando! Um… dois… três… e essa pele, meu Deus, por que eu não usei filtro solar que minha mãe mandou, olha que horror. Que nada! (tira da mochila pote de creme e lambuza rosto todo) Nada que um bom creme não resolva! Se os olhos da Elizabeth Arden, meu bem! O que a Helena Rubinstein, com isso, não é mesmo?

Nada disso, olha só pra minhas coxas, finas, pareço uma seriema do brejo, um socó do banhado. Ai, sofri tanto bullying com isso na escola!Bem que minha mãe fala, homem gosta de carne… Porque mulher magra, quem gosta é gay estilista, pra desfilar na passarela, pois é, perdi essa chance. Eu podia bem ser uma Bündchen, mesmo porque ela nem é tão Bündchen, é mais peitchen, e os meus são originais de fábrica, os dela…

Bom, acho que tenho que ter carnes, curvas, ancas largas de um boa parideira, chuleta, panceta, muito bacon, maminha, picanha… assim… uma mulher rodízio, sem rodeios, isso mesmo! E como o que não mata engorda… (começa a lamber e comer o creme para face). Hum, gostoso! Mesmo porque, eu vou a falência com um pote deste por mês, imagina, custam “Eyes of the face” – não compro mais nada, e minhas roupas, tenho que refazer o guarda-roupa, esses trapos, queimar tuuuudooo! Senão o príncipe sai correndo, né?

Ai, vocês não tão achando que… eu acredito em príncipe, né? É modo de falar, quero dizer assim… é pretendente, bom partido, né? Sabe uma boa maneira de achar um bom partido é num curso sofisticado ou numa grande empresa (tira jornal da bolsa) “Classificados” – olha o meu futuro pode estar aqui! Não! Não! Talvez! Hum quem sabe, aí tudo tão caro! Pera aí! Que anuncio esquisito! Fada madrinha! Trago seu príncipe em 3 dias! Eu acho que eu preciso ligar, eu sei, príncipe é modo de falar, (pega celular e tecla) pretendente, bom partido… isso ta chamando…

– Alô, Fada madrinha! Que ótimo, nunca falei com uma, que luxo! Não eu não perdi um homem ele não foi embora, é que ele nunca chegou. Tenho, tenho certeza, que eu me lembre ninguém que eu queira de volta, que vale mesmo a pena! Ah, então é mais caro! O que? Quanto? Mas isso é um roubo! Não, não desculpe, é eu sei que vale a pena, sim um investimento, eu sei, em 10 vezes no cartão, sim, e é garantido que o príncipe vem mesmo? Não, eu não acredito em príncipe, imagine, claro que não. Como? Isso é uma metáfora. Meta… fora?

Não ta cedo pra falar de sexo, ele nem chegou? Ah, sim, sim, uma figura de linguagem, claro príncipes não existem! Tudo bem, é podia ser “um assim” de um país bem pequeno que nunca ninguém ouviu falar… ta não existe sei, entendi. Em 3 dias? Garantido? Não sei, mas acho que era melhor uns 3 meses de experiência eu comigo mesma antes, me preparar psicologicamente, ganhar umas curvas, uma limpeza de pele, uma drenagem linfática, uma porcelana nos dentes.

Eu tenho que focar num pedido? Um pedido só, não príncipe agora não! O herdeiro, o bebê não, daí tenho que fazer lipo, colocar as próteses, vai despencar tudo… Ta um pedido… pera aí! Já sei o que eu quero, anota aí! Em 3 dias, hein! Eu quero mirtilos, arielas, alcachofras, amêndoas, chá verde… ta anotando?

Créditos da imagem: A atriz Lya Bueno, em cena com este mesmo texto no teatro, esquete da peça “Enfim, o Fim!”