Blog do Chef Mané

Crônica da cozinha – Comida de mãe

por Manuel Alves Filho
Publicado em 18 de julho de 2017

Da poltrona de braços volumosos, a mulher de rosto vincado e lenço na cabeça aciona o portão eletrônico. Está autorizado o ingresso em seu mundo. A fachada amarela da casa dá as boas-vindas, anunciando o gosto da moradora por tons alegres. Ela está sozinha, levemente encolhida por causa do frio. Desvia momentaneamente os olhos da TV que exibe um filme de ação recorrente para receber as visitas. Durante os cumprimentos já é possível sentir o aroma que vem da cozinha.

– Vamos almoçar? Já estou com fome.

É a senha para a renúncia à frugalidade. Afinal, dona Glória é daquelas mulheres que valorizam a fartura porque vivenciaram a escassez. Como o forno é grande, explica, seria um desperdício de gás usá-lo somente para assar o frango. Assim, é de bom tom aproveitar a energia consumida para preparar também uma torta e – por que não? – um bolo.

Na mesa, uma breve representação do mosaico das suas criações: frango assado, arroz, salada, nhoque, bolo de milho e doce de abóbora. A cozinheira octogenária pede desculpas pela simplicidade do repasto. Sim, as escusas são sérias.

– Imagina, mãe. Tem comida até demais aqui.

Oração feita, vamos aos pratos. Impossível não destacar dois deles. Primeiro, o frango. Saboroso, macio e suculento. Muito diferente daqueles produzidos nas famosas televisões de cachorro, que apresentam a secura das noites invernais e o sabor artificial do tempero em pó, espécie de antídoto à magia do pirlimpimpim. Ah, e o que dizer do nhoque?

Feito com batata inglesa, farinha de trigo e gemas, ele tinha a integralidade do homem honesto (conhece muitos?) e a maciez do afago da mulher amada. Na boca, desfazia-se ao breve toque dos dentes, liberando um sabor discretamente terral, imediatamente equilibrado pelo dulçor do molho ao sugo. Um prato capaz de nos transportar para as melhores experiências da infância e de nos fazer lembrar do quão extraordinária pode ser a simplicidade.

– Mãe, este nhoque está uma delícia. Parabéns!

– Obrigada. Pena que a batata tinha muita umidade e precisei usar um pouco mais de farinha de trigo para dar o ponto.

Mãe é assim. Sempre acha que o incrível pode ficar melhor. Acha também que o filho precisa emagrecer, mesmo que ela própria o desestimule a cada visita.

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