Blog do Vinho

Já podemos dizer que temos o vinho do Sudeste?

por Suzamara Santos
Publicado em 14 de junho de 2017

Na recente Expovinis 2017 (6 a 8 de junho), o Casa Verrone Specialie Syrah figurou no Top Ten como Melhor Vinho Tinto Brasileiro. Esse vinho foi elaborado com uvas plantadas na região de Itobi, SP. Dias antes, o Decanter World Wine Awards 2017, em Londres, havia consagrado, pela segunda vez, o Guaspari Syrah Vista do Chá com a medalha de ouro. É o único brasileiro a obter essa premiação. No mesmo evento, o Guaspari Syrah Vista da Serra 2014, Guaspari Viogner Vista do Bosque 2015 e Vale da Pedra Tinto 2015 receberam medalhas de prata. São vinhos produzidos em Espírito Santo do Pinhal, SP. Tem mais: ainda no DWWA, o Maria Maria Bel Sauvignon Blanc 2015, trouxe bronze para casa. É feito com uvas da Fazenda Capetinga, em Três Pontas, MG. O nome é emprestado de uma das músicas mais conhecidas de Milton Nascimento, natural de Três Pontas.

Não é pouca coisa. O DWWA deste ano contou com 17 mil rótulos de todo o mundo, avaliados por 219 especialistas. É um dos concursos mais prestigiados que existem. Mas, o que esses rótulos têm de especial, além do fato de serem produzidos fora das regiões tradicionais do vinho brasileiro, como o Rio Grande do Sul e Santa Catarina? Eles foram elaborados com uvas cultivadas pelo sistema de dupla poda. E quer saber: dos 27 vinhos brasileiros enviados a Londres, cinco foram resultados da dupla poda.

Não se trata de uma novidade, pois o sistema é empregado já alguns anos no Brasil. Mas para entender o que está acontecendo, temos que bater às portas da Epamig (Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais), em Caldas, MG. Por meio do seu Núcleo Tecnológico Uva e Vinho, a Epamig está transformando a paisagem da Serra da Mantiqueira, entre Minas, São Paulo e Rio, e ampliando fronteiras lá pelos lados da Serra dos Pireneus, em Goiás. Os cafezais que antes enchiam os olhos dos visitantes, hoje dividem o horizonte com parreiras de Viti viníferas, consolidando um novo e promissor ambiente para vinhos finos no Brasil. O projeto é audacioso, ambicioso e, já podemos afirmar, vitorioso.

 

Enganando a videira

Pesquisadores da Epamig (foto à direita), dos quais se destaca o viticultor Murillo Albuquerque Regina, criaram um método de manejo original, que consiste em alterar o calendário produtivo da vinha. A meta é fazer com que a colheita se dê nos meses ensolarados, secos e frios do inverno, se valendo da boa amplitude térmica do período, ao mesmo tempo em que escapa das chuvas de verão, nocivas para as uvas em fase final de maturação. No mundo inteiro ocorre o contrário, a poda é feita no inverno e a colheita, no verão. Com a inversão do ciclo, as uvas ficam mais sadias e ganham concentração de açúcar, cor, aromas e aportes fenólicos. Elas chegam à vinícola com mais qualidade.

O “xis da questão” é enganar a videira. Essa “virada” é obtida com duas podas. A primeira, em agosto, chamada de formação; a segunda, em janeiro, induz a planta a gerar cachos. E por que não se aplica o mesmo método no Sul? Porque lá os invernos são intensos, com geada e neve, o que pode por a perder uma safra inteira antes da colheita. E por que não se usa a dupla poda no Nordeste? Lá faz calor o ano inteiro, não há amplitude térmica, portanto, o sistema não traz benefícios para a videira.

A estratégia vem sendo estudada há mais de 10 anos e está dando certo. A Syrah é a uva tinta que mais chama a atenção na região Sudeste, enquanto a Sauvignon Blanc e a Viogner se destacam entre as brancas. Em Minas, a dupla poda é aplicada em Alfenas, Araxá, Andradas, Baependi, Varginha, Andrelância, São João Batista da Glória e Santa Luzia. Alguns vinhos mineiros, além dos premiados citados acima, já estão no mercado, como os da Casa Geraldo, de Andradas, cujo catálogo inclui Cabernet Sauvignon, Merlot, Tannat e Moscato Giallo; e o Estrada Real, que já marcou pontos com o Primeira Estrada Syrah 2010. São 2,5 milhões de litros de vinho, entre tintos, brancos e espumantes, elaborados só em Minas.

No Estado de São Paulo, além de Itobi e Espírito Santos do Pinhal, a dupla poda é adotada em cidades como Divinolândia, Indaiatuba e Louveira. É bem possível que, em breve, a região Sudeste, conhecida por vinhos de mesa populares, feitos com uvas americanas, tenha seu status revisado e se torne também endereço de grandes marcas. E se você está estranhando ver essas cidades como novas produtoras de vinhos finos, espere até experimentar o Intrépido Syrah 2010 e o Bandeiras Barbera 2010. São vinhos da Serra dos Pireneus, Goiás, onde as uvas Tempranillo, Barbera, Sangiovese e Syrah vêm obtendo ótimos desempenhos.

 

90 anos de pesquisa   

Mas esses bons resultados são só uma parte do trabalho da Epamig. A coisa começou lá atrás, há quase 90 anos, precisamente em 1930, quando uma fazenda experimental foi inaugurada, em Caldas, sul de Minas. Nascia ali, o primeiro centro de pesquisa especializado em uvas e vinhas do Brasil. A partir de 2002, com a importação das primeiras mudas de Vitis viníferas da França, a empresa intensificou a sua atuação na área, desenvolvendo pesquisas e promovendo avanços importantes no campo.

Três anos depois, a Epamig já contava com o seu Núcleo de Tecnologia Experimental, dotado de banco de germoplasma das principais variedades de uva, áreas experimentais de manejo e condução de videira, unidade de enxertia, laboratório de análise sensorial e até uma vinícola experimental completa. Foi um período de evolução. Em 2006, A Epamig apresentava o seu Laboratório de Biotecnologia Vegetal para pesquisa de micropropagação de plantas e, em 2009, investiu em biologia molecular aplicada ao melhoramento genético e certificação fitossanitário da videira, oliveira e morangueira.

Hoje, a Epamig é uma importante fonte de aprimoramento para produtores e pesquisadores interessados em elaboração de vinhos. A empresa oferece cursos (enologia, ciência dos alimentos, biotecnologia vegetal, degustação, processamento pós-colheita, entre outros), disponibiliza mudas, presta consultoria e funciona como uma incubadora de vinícolas. É um trabalho de gente grande, conectado com pesquisa e investimento humano que tem muito a acrescentar na ainda jovem vitivinicultura brasileira.

Para realizar tudo isso, a Epamig conta com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ). Como brasileiros e amantes de vinhos, vamos cruzar os dedos e torcer para que as más notícias relacionadas à economia do País de hoje, não contaminem esse trabalho, como temos visto em tantas áreas. O sucesso dessa empresa melhora o nosso vinho e eleva a nossa autoestima.    

 

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