Blog do Chef Mané

Crônica da cozinha – Papagaio não faz arroz

por Manuel Alves Filho
Publicado em 26 de maio de 2017

Sou filho de dois cozinheiros. Cozinheiros apenas, não chefs de cozinha. Minha mãe, Glória, fez do forno e do fogão e do chamado “trivial variado” o seu ganha pão, em dada época. Mas não alçou grandes voos com o ofício. Meu pai, Manuel, fez dos ingredientes, temperos e panelas uma atividade não remunerada, transformada, a fogo e fogo, em ato de afeto e de afirmação de identidade.

Trago no couro, na alma, no paladar e na memória muitas referências de ancestralidade. Carrego a história dos tempos difíceis da época da Revolução Constitucionalista de 1932, quando, na família do meu pai, macarronada consistia na “mistura” especial do almoço de domingo. Tempos difíceis, tempos de superação, tempos de resistência. Criado na fazenda, meu pai sempre disse: do animal sacrificado, devemos aproveitar tudo, até o casco.

Hoje, vejo muitos chefs defendendo o respeito aos ingredientes e o aproveitamento integral dos alimentos. É bom que o façam, mas estão 50 anos atrasados em relação à experiência dos Alves. Também vejo cozinheiros-celebridades defendendo o uso das Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANCs) na alimentação. E me recordo do velho Manuel indo ao quintal para colher serralha, planta considerada uma erva daninha, para fazer a salada que enriqueceria o almoço. Papai era PANC desde o século passado!

De minha mãe, trago os exemplos da boa comida caseira. A comida de verdade, sem aditivos artificiais. Aquela feita com ingredientes frescos, temperada com sal, cebola, alho, pimenta e ervas. Nos dias que correm, os pensadores da gastronomia dizem que o futuro desta está, em boa medida, no passado. Ou seja, na valorização dos princípios praticados por nossos pais e avós.

Que bom poder ter tido referências e exemplos dentro de casa, que hoje se mostram alinhados com o que se considera adequado ao ambiente e à saúde sapiens. Isso me desobriga de ser um mero reprodutor de conceitos temperados com anglicismos. Com dizem por aí, falar até papagaio fala. Mas não pensa. Come, mas não faz arroz.


Foto: Reprodução 

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