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“Mommy”: artificialismo formal em estética videoclipe

por Luiz Andreghetto
Publicado em 31 de março de 2015

Aos vinte e seis anos, recém-completados, o cineasta canadense Xavier Dolan pode ser considerado um veterano, “Mommy” (2015), seu mais recente filme, é seu quinto longa-metragem. Dentro de uma estética pop, é difícil ficar imune à prolífera carreira do cineasta que consegue encontrar, com imensa facilidade, tanto fiéis adoradores quanto costumais detratores. Suas obras são marcadas por um artificialismo ora exagerado ora maneirista, com personagens a beira do histerismo, em narrativas novelescas, melodramáticas, utilizando, quase sempre, a si mesmo como ator.

Sua estreia na direção se da com uma obra auspiciosa: “Eu matei minha mãe” (2009) que, apesar dos problemas de um primeiro filme, reflete uma narrativa com sentido de urgência, repleta de sinceridade, garantindo uma visibilidade extra pela curiosidade de ter um cineasta com apenas 20 anos de idade em sua condução. Em suas produções posteriores, “Amores imaginários” e “Laurence anyways”, vemos uma “fórmula” estética repetida à exaustão, nos quais as qualidades de estreia se perdem em um exercício de puro ego. Amores imaginários, por exemplo, repete formulas já consagradas, gastas e abandonadas por cineastas como François Ozon, Wong Kar-Wai e Christophe Honoré (de quem Dolan “rouba” até o ator fetiche, o francês Louis Garrel, colocando-o em uma pequena participação no final do filme) a serviço de uma trama histriônica e afetada que nada acrescenta ao repertório do garoto prodígio. O que antes era uma novidade em sua mise en scene de estreia se torna uma “muleta” da qual Dolan não consegue se desvencilhar. 

Em 2013, com o filme “Tom na fazenda”, Dolan parece se redimir desses excessos, conseguindo transformar “Tom”, seu quarto filme, em sua melhor obra até então. “Tom” injeta um sopro de “verdade” no cinema de Dolan, que se esforça para deixar seus exibicionismos cinematográficos quase todos de lado para se concentrar naquilo que é fundante nessa obra: a narrativa, repleta de referências de Hitchcock a Claude Chabrol.

Com “Mommy”, apesar de vermos um diretor mais seguro de suas escolhas, parece que um passo atrás está sendo dado em sua filmografia, principalmente por reprisar o mote inicial do seu primeiro filme: relacionamento disfuncional entre mãe e filho, utilizando sua atriz fetiche, Anne Dorval, novamente no papel da mãe. Assim como em “Eu matei minha mãe”, a relação forçada em “Mommy”, entre mãe e filho, oscila entre as mazelas diárias e os afetos ora perdidos ora (re)encontrados. O grande salto qualitativo que vemos em “Mommy” é a facilidade com que Dolan tem em retirar o melhor dos seus atores. Anne Dorval e Suzanne Clément brilham em personagens antagônicas que se completam, enquanto o jovem Antoine-Olivier Pilon aproveita-se dessa química perfeita entre elas para insinuar-se com bastante carisma nessa equação aparentemente tão disfuncional.

Mas Dolan ainda insiste em seu artificialismo, dessa vez não só dentro da imagem. O filme é feito em janela 1:1, na forma de um quadrado vertical, apelidado de formato instagram, para causar uma sensação maior de claustrofobia, eliminando os entornos da imagem, mostrando esses personagens presos dentro do pequeno espaço da composição do quadro fílmico. Essa escolha resulta em uma cena lindíssima quando a tela se abre por completo em uma sequencia estilo videoclipe, mas resulta vazia no seu discurso. O filme poderia ser construído pra gerar essa sensação de urgência e prisão a qual os protagonistas estão inseridos, não sendo necessário apelar para uma escolha formal (tamanho da tela) a qual se torna tão impositiva nas impressões que quer causar ao espectador. 

“Mommy” tem algumas sequencias entre as melhores já filmadas por Dolan, que faz uma escolha extremamente acertada ao não coloca-lo como ator. Apaixonado por cada plano que cria, independente dele ter sentido ou não na obra como um todo, Dolan esquece que são nos pequenos detalhes que podemos vislumbrar sua potência criativa, potência essa que ele mesmo ignora em meio ao caos verborrágico/imagético que nos proporciona. Dolan é uma espécie de Narciso moderno que vislumbra as imagens que cria com tamanho apreço (como se estivesse vislumbrando a si mesmo) que esquece que a beleza de suas obras está nos pequenos silêncios, gestos e olhares que a câmera nos entrega cheia de cumplicidade. Se demorar demais pra perceber isso, talvez se afogue em suas próprias pretensões antes de se tornar o grande cineasta que promete ser.

“Mommy” venceu o prêmio do júri do Festival de Cannes de 2014. A ironia dessa premiação é que ele dividiu o prêmio com o filme “Adeus à linguagem”, do diretor francês Jean-Luc Godard, diretor que faz da forma uma maneira de se expressar. Ou talvez a ironia seja um jeito de apontar a Dolan que existem saídas criativas mais originais além daquelas que o cerca e as quais ele faz questão de estabelecer como inabaláveis em sua criação.

 

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