Ainda bebê, Selminha foi morar num condomínio recém construído pela Cohab no bairro São Bernardo em Campinas, o condominio tinha diversos quarteirões e cada um com o nome de um planeta, o seu era o Marte, na época dos anos 70, por ali só havia um vasto matagal para todos os lados na região da avenida das Amoreiras. Selminha era filha única de pais já não tão jovens para os padrões da época, tanto seu pai como sua mãe eram apaixonados pela sétima arte, seu pai músico e sua mãe costureira, e sempre iam ao cinema. Sua mãe lhe contava das filas gigantescas que existiam para se ir ao cinema em sua juventude, pois este era o único passatempo para os fins de semana, nas estreias então, as filas se perdiam de tão grandes.
Assim o casal ia até o centro de Campinas onde haviam vários cinemas, o cine Windsor na esquina da Rua General Osório com a Rua Regente Feijó, e ainda nesta última, o Cine Regente e o Cine Brasília. Na Avenida Anchieta havia o Cine Voga que se tornou o Cine Jequitibá bem ao lado do bar Voga que existe até hoje. Sem contar outros cinemas como o Cine São José na Avenida Nossa Senhora de Fátima, entre outros. Posteriormente Selminha iria sozinha aos mesmos cinemas preticamente, O Brasília virou Bristol, no Shopping Iguatemi inauguraram Cine Serrador I e II, o Cine Clube Barão, depois Cine Vitória e o Cine Clube Paradiso.
Assim cresceu Selminha… sonhando com películas e fotogramas. Seus pais faleceram ainda em sua adolescência. O tempo foi passando e Selminha que era sem graça e meio desajeitada, se sentia uma extra-terrestre “De Marte” em meio as outras meninas. Foi crescendo e se tornou uma mulher muito interessante, sempre bem informada, bem vestida, com estilo e assim sendo foi estudar cinema, já não era mais tão jovem e nem havia se casado, ela se entregava aos homens, mas não sabia por que eles só se aproveitavam de suas curvas e namorar que é bom… nada.
Selminha tão romântica acabou ficando adepta do amor livre, mas nunca deixava de sonhar com o amor dos filmes que via na antiga “Sessão da Tarde”, preferia os filmes com finais infelizes, deixavam ela mais conformada com seu ingrato destino, eram eles: “O suplicio de uma saudade”, “A ponte de Waterloo”, “Tarde demais para esquecer”, “E o vento levou”, “Rainha Cristina” “Anna Karenina”, “Matta Hari” e “Casablanca”… mas a vida não era bem assim. Os cinemas do centro de Campinas fecharam, a maioria virou igreja, os cine clubes não sobreviveram e restaram as salas ultra modernas para se comer pipoca e assistir algo em 3D.
Já com mais de quarenta anos e dando aulas na faculdade de cinema atraía os rapazes mais jovens, não era o que ela queria, Selminha queria construir uma história de amor, até que depois de se inscrever em sites de namoro e adotar aplicativos de encontros fortuitos descobriu um doutorando em cinema. Já nas mensagens, ficou apaixonada, gostou das fotos, de suas ideias, e da voz ao telefone, um homem bem comportado e com estilo de diretor de cinema.
Selminha ia encontrá-lo num charmoso café, mas a chuva prometia cair, então desviou o encontro para sua casa, beberam vinho branco gelado, torradinhas extremamente finas com patê de queijo camembert, tudo importado para um encontro inenarrável e cinematográfico.
O homem após encantá-la falando de Impressionismo francês a despiu sem direito a preliminares e degustou Selminha mais rápido do que o vinho e as torradas. A moça, já nem tão moça assim, o conduziu até a porta tentando ser gentil, ele era mais um como tantos outros, o filme que havia rodado em sua mente não era o mesmo em cartaz na mente daquele homem.
Selminha continua com a cabeça no mundo da lua, morando ainda em Marte, agora sai menos, assiste menos filmes, se entrega menos de cabeça nos relacionamentos, mas não desiste de pensar que num dia qualquer o homem dos filmes da sua tela imaginária lhe abordará, talvez ela acenda dois cigarros em sua própria boca e entregue um a ele. Se beijarão e soltarão a fumaça depois. Ou então se beijarão após um encontro no Aeroporto de Viracopos. Afinal… Amanhã será outro dia…
“Este texto é uma obra de ficção, qualquer semelhança com mulheres campineiras reais é mera coincidência”
Créditos da imagem: Cena do filme “Casablanca” com Ingrid Bergman e Humphrey Bogart
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