A entrevista do sociólogo polonês Zigmunt Bauman na Época me animou a refletir um pouco sobre o que estamos fazendo agora; como estamos preparando o futuro para a nossa descendência. Sem a pretensão, mas já polemizando a começar pelo título, parece estar em falta um certo gostinho pelas coisas que conquistamos, aquele gostinho de “amanhã alguém vai ficar feliz pelo que plantei agora”. É um gostinho de como se não houvesse muito amanhã, se a providência fosse já, apenas agora, sem compromisso com nossos bisnetos. Não se trata de uma crítica velada ou não ao modus operandi atual, principalmente nas questões ambientais que são muito sérias e preocupantes, mas uma verdadeira reflexão se daremos ao futuro a oportunidade de repetir o passado, esse nosso presente, afinal não fazemos mais nada para durar, tudo é descarte em pouco tempo. É comum nas redes sociais nos depararmos com fotos de objetos dos anos 70 e 80 e nos deliciarmos com saudade sobre a qualidade e compromisso com que tudo era feito. Uma velha vitrola durava décadas, um televisor muitos anos. Usávamos até não ter mais conserto. Recentemente tive que descartar uma TV moderna, que só tinha três anos…e o apego…e o sentimento que já havia embora fosse apenas uma máquina. Tudo é descarte.
Ao mundo um remédio para controlar sua epidêmica ansiedade. Estamos inconscientemente profetizando o apocalipse e nos preocupando apenas com o aqui e agora ou se trata mesmo da descontrolada ambição humana, iminentemente perigosa já para nossos filhos? Parece que as duas ideias se confudem, já que paira no ar um espírito de “to defendendo o meu e que se dane o vizinho”, uma espécie de arca esperando o dilúvio. Lembro da história que ouvi quando criança de um funcionário da Volkswagen que trabalhava na linha principal de montagem e deixava sempre uma marca sua nos veículos que ele pessoalmente ajudava a montar, apenas para se orgulhar ao reencontrá-los futuramente. Mas hoje percebo que o FGTS moral não está mais sendo depositado. Os pedreiros que recentemente trabalharam em minha casa indiscutivelmente não assentaram os tijolos com o cuidado de quem um dia teria orgulho de mostrar o resultado do seu trabalho, do orgulho de serem construtores, como já tantas vezes vi e até ouvi em música. Uma impressão de que o que foi feito não haverá para quem ser mostrado.
Insisto muito na idéia de que trabalhamos não só para nosso sustento, mas trabalhamos para construir um mundo e viver dentro dele, sustentavelmente e como irmãos. No dia em que eu não tiver esta sensação, não terá mais sentido acordar cedo. Independentemente do que fazemos, até porque nem todos estão exatamente onde gostariam, mas se você está aqui, vivo, faça o que tiver que fazer bem feito e orgulhe-se disso para a posteridade. Deixe sua marca em vez de levar a do seu vizinho. A notícia do fim do time de voleibol feminino de Campinas é um exemplo disso. Empresas e marcas investem hoje para colher hoje. Não há responsabilidade social porque responsabilidade social não é algo que se faz por apenas dois anos, até que se atinja o resultado esperado. Responsabilidade é valor moral, ético, religioso, não pode ser apenas um item de um plano curto de marketing. O que se tornou uma alegria e uma excelente opção de lazer e estímulo para nossos jovens foi liquidado em algumas reuniões de resultados. Claro que se tratava de um investimento, mas o plano de negócios nunca prevê a água que deve sustentar a semente plantada no coração de quem acreditou na promessa.
Diz Zigmunt: “…Durante toda a era moderna, nossos ancestrais agiram e viveram voltados para a direção do futuro…a visão do futuro guiava o presente. Nossos contemporâneos vivem sem esse futuro. Fomos repelidos pelos atalhos do dia de hoje. Estamos mais descuidados, ignorantes e negligentes quanto ao que virá …“
Concordo com ele. O mundo se tornou um ambiente descuidado e meramente cartesiano, mas no meu mundo tátil ainda choro feliz e nostálgico muito do que vivi e minha esperança é de que meus netos também vertam suas lágrimas de saudade, não de arrependimento.
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