Ron Woodroof (Matthew McConaughey, Oscar de Melhor Ator de 2014) é o típico machão texano dos anos 80: alienado e aficionado por mulheres, bebidas e rodeio. Em um outro “lado” da cidade vive o transexual Rayon (Jared Leto, Oscar de Melhor Ator Coadjuvante de 2014), figura à margem da sociedade que jamais seria visto e/ou percebido por Ron, a não ser através daqueles momentos tão singulares que a vida nos proporciona. Baseado em fatos reais, “Clube de Compras Dallas” (2013) conta a jornada desses dois seres tão díspares entre si e a luta pela sobrevivência que empreendem contra a Aids, o governo dos Estados Unidos e a industria farmacêutica americana. O filme acompanha a luta de Ron para não tomar o AZT, droga experimental que começou a ser usada nos pacientes com Aids nos anos 80, que provou-se, posteriormente, ser um grande complicador nesse tratamento, pois destruía todas as células das vítimas, doentes ou não. Com isso, Ron cria o Clube de Compras Dallas do título, para ajudar, assim como ele, pessoas desamparadas pelo Governo americano, a terem acesso à compra de remédios ilegais, que se mostravam mais eficazes no tratamento. Controlados pelo FDA (Food and Drug Administration), órgão do governo que testa e libera novos medicamentos e que tinha interesses econômicos na utilização em larga escala do AZT, Ron e Rayon precisam ir contra o lobby da indústria farmacêutica para provarem que existe outra combinação de remédios que o organismo de um paciente com a síndrome da imunodeficiência adquirida responderia mais positivamente.
Essa é a história que vemos em primeiro plano: a discussão em relação a Aids, uma epidemia até então desconhecida, e uma crítica ao governo e suas políticas de saúde que visam lucro. Se olharmos mais atentamente, “Clube de Compras”, nos mostra a relação daqueles que têm o poder e os que precisam achar saída para não se curvarem diante dos impasses colocados por esses “agentes” dominantes. Em uma sociedade heteronormativa, Ron sente na pele o próprio preconceito outrora delegado aos seres “desviantes” de uma “norma” de conduta aparentemente “correta”. Ao fazer parte de uma estatística e ver sua vida virada de cabeça para baixo (no início dos anos 80 a Aids era sinônimo de uma doença que acometia apenas homossexuais, uma “peste gay”, como muitas vezes fora anunciada pela mídia), Ron sai do conforto da sua posição de aceitação social para tornar-se, assim como Rayon, um pária, expulso da convivência com seus amigos, recebendo de volta o preconceito que antes parecia exalar.
Ao tomar a decisão de ingerir e controlar os medicamentos que entram em seu organismo, Ron supera a realidade da qual faz parte através de uma iniciativa individual que, a princípio, seria apenas para mantê-lo vivo, mas que, pouco a pouco, acaba por mudar a vida de muitas outras pessoas. Esse empoderamento ganho por essa minoria desassistida socialmente, devolve a elas a dignidade e o estatuto de cidadãos, confrontando o poder da FDA até que novas leis sejam promulgadas e novos medicamentos sejam colocados à disposição daqueles que anseiam por visibilidade nessas relações de poder as quais são submetidas. São nessas transformações das relações sociais, culturais, econômicas e de poder que reside o grande trunfo do filme, mantendo-se ao mesmo tempo como uma obra de entretenimento dramático, sem perder a atualidade perante as conquistas que até então foram alcançadas. O preconceito ainda reside de inúmeras formas e a Aids, apesar de evolução de seu tratamento, ainda é um mal sem cura. Fato esse muito bem esmiuçado na narrativa do filme, que tem toda sua construção dramática amparada na excelente interpretação da dupla central de atores (Matthew e Jared), em um momento de entrega total aos personagens que representam, o que outrora parecia impossível vindo de um galã de comédias românticas ou de um vocalista de uma banda de rock.
O filme está em cartaz em Campinas no Cine Topázio do Shopping Prado. Veja a programação.
Confira o trailer:
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