Consoantes Reticentes…

“Gravidade”: o espaço sideral como metáfora da condição humana

por Marcelo Sguassábia
Publicado em 21 de outubro de 2013

Alardeado como a nova sensação cinematográfica da temporada, o filme “Gravidade” (2013) pede-nos um certo distanciamento para que possamos compreender melhor o frenesi em torno de seu lançamento. Repleto de efeitos especiais e tecnologia 3D, amparados por um fiapo de história ambientada no espaço sideral, “Gravidade” é o típico filme superestimado que, algumas críticas e/ou campanhas publicitárias, insistem em nos fazer acreditar que estamos diante de algo inovador.

Dirigido pelo cineasta mexicano Alfonso Cuáron, “Gravidade” prossegue com algumas características frequentes em sua obra como, por exemplo, o apreço pelo elenco, sempre bem escolhido e conduzido e uma estética visual por vezes artificializada, mas que funciona ao ser amparada por uma ótima direção de fotografia e de arte. Sem se prender a um gênero específico, passando pela aventura infanto-juvenil (“A Princesinha”, 1995), romance (“Grandes Esperanças”, 1998), episódio de uma franquia milionária (“Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban”, 2004), um drama sci-fi (“Filhos da Esperança”, 2006), até uma espécie de road movie sentimental de rito de passagem, “E sua mãe também” (2001), que marca o retorno ao seu país de origem, sendo este longa a melhor obra de sua filmografia, Cuáron filma pouco e assertivamente.

Portanto, “Gravidade” não é um filme que seja visto como algo incomum em sua filmografia, mas é um pouco singular entre os lançamentos recentes: opera sob o signo do hibridismo em sua mistura de situações de ação, efeitos especiais de última geração, com momentos dramáticos de longos silêncios, pausas para reflexão e metáforas sobre a solidão e a fragilidade humana. Cria-se com isso um paradoxo: é um filme com pretensões de um grande sucesso de público, somando grande arrecadação de bilheteria que, em contrapartida, utiliza um ritmo mais cadenciado, com uma temática sobre perdas e renascimento e opções de mise-en-scene que almeja estar além de um mero entretenimento recheado de explosões, reviravoltas espetaculares e ação de tirar o fôlego.

Ao ficar nesse meio termo, sem saber se é um típico filme de entretenimento, que cede frequentemente aos clichês do gênero, ou um filme mais intimista/reflexivo, procurando situar-se em um mesmo terreno outrora ocupado pelas ficções-científicas da estirpe de “2001 uma odisseia no espaço” (Stanley Kubrick, 1968) e “Solaris” (Andrei Tarkovsky, 1972), aqui reside o maior problema de “Gravidade”. Essa indefinição, sempre à procura de um lugar seguro (assim como a protagonista do longa), que neste caso é satisfazer ambas as plateias, tanto a mais exigente em conteúdo, quanto a mais escapista que prefere apenas ação desenfreada, “Gravidade” perde o rumo de sua missão, deixando visível em cada frame essa desordem estrutural que o acomete.

Explica-se: em meio a um discurso que beira o filosófico, retratando a imensidão do espaço em contraponto com a pequenez humana, somos surpreendidos com cenas recheadas de clichês dos típicos filmes de ação: a protagonista consegue se safar minutos antes da morte eminente, excesso de acontecimentos ruins seguidos com a mesma pessoa, momento em que não se sabe se o que está acontecendo é real ou não para justificar uma sequência de redenção, etc.

Essas duas necessidades distintas, ser uma obra “profunda” e ceder às facilidades mercadológicas para gerar uma alta renda nas bilheterias, é o que ameniza as potencialidades reflexivas e filosóficas de “Gravidade”, deixando-o a beira de um discurso simplista de autoajuda sobre superação, mesmo com as belíssimas sequências visuais e de algumas metáforas bem distribuídas pela narrativa. Mas isso não significa que o filme seja ruim, pelo contrário, é uma das melhores estreias cinematográficas recente, apenas está a anos luz de ser a obra-prima que uma grande parte da crítica nacional e internacional vem apregoando por aí.

Veja a programação do filme em Campinas e o trailer abaixo:

 

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