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O quintal da Tia Aurora

por Hélio Costa Júnior
Publicado em 19 de agosto de 2013

Quando a gente é criança, embora sensíveis, não temos muita habilidade para perceber algumas coisas que nos fazem muito bem, mas que só notaremos o verdadeiro valor depois de crescidos, quando já estão mais distantes e pouco desfrutáveis, ou quando a idiossincrasia – palavra que não combina com esse texto e sim com o meu temperamento – se torna uma aura densa na intocável memória. 

Ter um quintal na alma da saudade devia ser uma lição de casa a fim de nos tornar pessoas melhores. Sinto muito por aqueles não o tiveram, apesar de que ainda é tempo, mas aquele que permanece com seu perfume bucólico permeando os dias que a mim somam apressados é muito especial. É o quintal da minha Tia Aurora, ou “Orora” como imaginávamos inocentemente. 

Aurora era uma mulher serena, voz calma e delicada, olhar profundo e uma bondade impagável, que além de deixar nossos dias mais agradáveis, ainda dedicava um bom tempo no cuidado com seus antúrios, avencas e rosas, que eram sempre agraciados pelas últimas gotas das samambaias que compunham o verde superior. Mesmo pequeno, já percebia que o que tornava seu jardim o mais bonito da cidade não vinha de dentro do regador e sim de seu semblante doce que gotejava a felicidade multiplicadora de tantas cores vivas rasteiras e aéreas, que proporcionavam a mim e meus primos muitos “esconde-esconde” nas férias de julho. 

Como todo bom quintal, uma sombrosa varanda compunha o cenário do nosso ponto de encontro na infância, onde cansados de tanto matar a saudade saboreávamos um suco feito com limões verdes, apanhados ali mesmo, no canto perto da janela. Uma bola pulando de um lado para o outro era a única coisa que fazia o coração de minha tia pular também dentro do peito, e da cozinha ela cuidava para que suas plantas não participassem daquela brincadeira. Mas era só isso…todo o resto deixava minha tia feliz com a gente, principalmente quando a bola era de gude, inofensiva para folhas e pétalas.

Ele continua lá, ainda existe, mas as flores não são mais crianças e o cheiro dos dias modificou o perfume do alecrim que dava o tom de nossas manhãs descalças. Tenho vontade de visitá-lo mais vezes, porém receio me ver procurando em vão a Aurora por entre as violetas e orquídeas órfãs de sua graça. Prefiro visitá-lo mais aqui na minha lembrança onde a Tia Aurora continua intocada, sabiamente me lembrando de que é preciso cultivar nossos amores como ela nos ensinou em seu quintal, um dia na primavera.

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