Adaptações literárias no cinema, principalmente de obras extremamente consagradas, costumam causar, no mínimo, algumas controvérsias. Para ficarmos em exemplos mais recentes, foi assim com a adaptação do clássico beatnik “On the Road” (“Na Estrada”, dirigido por Walter Salles) e a obra do russo Tolstói, “Anna Karenina” (dirigida por Joe Wright. Veja crítica). De um lado temos os fãs da obra que não admitem que seja mudada uma vírgula sequer de um texto tão adorado. Do outro lado, temos os críticos que reclamam ora que o roteiro/filme é servil demais à obra e, em outros momentos, quando toma demasiada liberdade com o texto escrito.
Portanto não seria diferente a comoção, diga-se de passagem, negativa, que tem cercado essa nova versão do filme “O Grande Gatsby” (2013), dirigida pelo australiano Baz Luhrmann. Desde o início temia-se por essa nova adaptação (as anteriores foram filmadas em 1926, 49, 74 e 2000 – sendo esta de 74 a mais famosa, com os atores Robert Redford e Mia Farrow), principalmente ao cair nas mãos de um diretor como Luhrmann, adepto confesso de imagens exageradas, um pouco kitsch e que beiram o lisérgico.
Adaptado de um dos maiores clássicos da literatura americana, do festejado escritor F. Scott Fitzgerald, Gatsby é um primor de narrativa que usa um amor impossível em meio ao desbunde do “american way of life” dos anos 20, pós-primeira guerra mundial, antes dos americanos acordarem com uma imensa ressaca com a queda da bolsa de 29, para falar da força da ambição, as consequências de nossas escolhas e a grandiosidade de nossos sonhos. Gatsby (o sempre ótimo Leonardo DiCaprio) é um personagem misterioso que realiza imensas festas em sua mansão, aguardando que Daisy, a sua amada (uma Carey Mulligan bem apagada), um dia apareça. O problema é que Daisy está casada com Tom Buchanan (Joel Edgerton, excelente) e vive em meio ao requinte dos grandes herdeiros, que veem com desconfiança esses novos ricos, representados por Gatsby, cujo sobrenome não possui nenhuma tradição. É nesse confronto entre um grande amor do passado que ressurge e a estabilidade de uma vida confortável e respeitável que se estabelece o dilema de Daisy, menina rica e mimada, cuja fragilidade torna-se uma de suas maiores fraquezas. A complexidade do texto de Fitzgerald se ampara em um intricado jogo de amores mal resolvidos, de aparências sociais, de festas intermináveis em uma sociedade à beira da histeria.
Luhrmann opta por transformar a saga desse protagonista, obcecado por um antigo amor, em uma obra na qual o luxo e os excessos desses novos ricos tornam-se quase o protagonista dessa história em detrimento ao acerto de contas com o passado que Gatsby e Daisy precisam realizar. O início do filme até o momento em que Gatsby encontra pela primeira vez sua amada Daisy é tão exagerado e vazio que ficamos nos perguntando pra onde aquelas sequências de imagens exasperantes, que mais parecem um desfile de moda ou um videoclipe mal feito, nos levará. Quando a paixão de Gatsby e Daisy tomam as rédeas da narrativa, o filme ganha alguma relevância, nos envolvendo nesse perigoso “duelo” entre Gatsby e Tom pelo coração de Daisy, ambos com um enorme desejo de posse em relação a essa personagem, que se deixa levar pela comodidade das aparências.

Luhrmann não acredita em seu ótimo elenco (com destaque para Leonardo DiCaprio e Joel Edgerton) e no material literário que tem em mãos. O incrível texto de Fitzgerald não precisa de muletas visuais para nos impregnar com sua dor e crítica social. Mas Luhrmann insiste em nos desviar a atenção para efeitos gráficos que invadem a tela com uma direção de arte que, apesar de bela, poderia ser um pouco mais contida.
Nessa pequena briga entre os excessos visuais de Luhrmann e o texto de Fitzgerald percebemos que o diretor perdeu a chance de fazer um de seus melhores filmes. Se tivesse acreditado mais na sua capacidade de elaborar grandes histórias de amor, em uma carreira que aponta uma curva descendente (do sucesso-surpresa “Vem dançar comigo”, ao celebrado “Romeu e Julieta”, do criticado “Moulin Rouge”, ao fracasso de “Austrália”) e não cedesse tão fácil a opções vazias de elucubrações visuais, Gatsby, o filme, poderia ter feito história. Assim como está, é apenas um exercício egocêntrico de um cineasta que se deixa refletir demasiadamente em sua personagem principal e que tenta nos seduzir com imenso luxo, promessas vazias e um 3D absolutamente desnecessário.
Confira o trailer abaixo: (veja programação em Campinas)
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