Não entendo a obsessão do cinema brasileiro em buscar uma identidade temática, ou plástica, que o distingua do resto do mundo, uma vez que é a diversidade artística uma das principais características de nossa cultura. A divergência deveria ser o mote ideológico da sétima arte no país, e não a insistência por uma produção convergente, que tenha uma suposta “cara do Brasil”. Se na música e na cultura popular a falta de um fio condutor elevam nosso país ao patamar de celeiro de talentos heterogêneos, o cinema carrega a sina da necessidade de um estilo.
Foi assim durante toda a história da cultura audiovisual no país. Desde as comédias de costume mudas até o fim da pornochanchada e o limbo vivido pelo cinema no final da década de oitenta, buscou-se identificar traços marcantes do que é lançado nas telonas brasileiras a fim de exportar um jeito tupiniquim de se filmar, roteirizar e editar. Com o ressurgimento das bilheterias e do gosto do brasileiro pelo seu próprio cinema, por meio da retomada, na metade dos anos 90, este impulso pela padronização cinematográfica foi impulsionado por dois fatores conseqüentes: o surgimento de uma safra de cineastas inovadores e sedentos por um mercado promissor e o investimento público, através de facilitações fiscais e subsídios, o que contribuiu para que os anos 2000 concentrassem grande parte das produções que mudaram a história do cinema nacional para sempre.
Já é coisa do passado o preconceito que o povo brasileiro nutria pelo seu próprio cinema. Hoje é comum lançamentos nacionais lotarem as salas de todo o país com facilidade. O conteúdo do que é produzido, no entanto, ainda é preocupante, quando se trata da teimosia brasileira em produzir apenas dois tipos de filmes: 1. Comédias politicamente corretas e extremamente comerciais, em geral financiadas pela Globo Filmes (a mãe de praticamente toda a produção nacional), ou; 2. Filmes Cult, abstratos, subjetivos, com uma narrativa poética que foge da linearidade do começo, meio e fim do cinema clássico. São aquelas produções restritas que, não sendo cinebiografias, parecem que foram feitas para o entendimento de poucas mentes intelectuais.
Minha crítica não é feita em relação ao conteúdo do que é produzido, aliás, fico orgulhoso pela riqueza dos roteiros que rodamos por aqui, mas implico com a unilateralidade narrativa, o que distancia o cinema brasileiro de sua verdadeira vocação: a diversidade. Porque alguns gêneros cinematográficos não são sequer cogitados pelas grandes produtoras, como o terror, o suspense, a comédia romântica, o western e a ficção científica?
É fato que, financeiramente, ainda não temos condições de competir com os principais centros, o que impede que grandes produções sejam realizadas, mas a omissão em tentar – e errar, porque não?, além de evidenciar incapacidade técnica, sugere desinteresse, o que, de novo, vai contra o que mais sabemos fazer: diversificar, e não pasteurizar, como vem acontecendo. Quem disse que não se deve mexer em time que está ganhando com certeza não estava se referindo a leniência do atual cinema brasileiro. É necessário que mais gêneros cinematográficos sejam explorados, a fim de tornar nossa produção mais heterogênea.
Nos últimos tempos, algumas produções que fogem da equação acima apresentada apareceram como luz para o futuro dos nossos filmes. É o caso de Dois Coelhos, ação dirigida pelo estreante em longa-metragens Afonso Poyart, que chegou ao mercado com uma linha criativa inovadora e impactante para a visão desacostumada do público brasileiro. Uma mistura de thriller político com cara de ação hollywoodiana, efeitos especiais, videografias na tela e uma mixagem de som de fazer tremer a sala de cinema garante uma experiência única e inesquecível para os apreciadores do cinema nacional. Quando o assisti, na telona, confesso que superei a visão preconceituosa de que o Brasil não conseguiria produzir algo de qualidade e que fugisse da bifurcação com a qual o time de cineastas brasileiros se depara hoje. É a esperança de que, num futuro não muito distante, consigamos afirmar que nosso cinema é tão diversificado (e bem quisto pelo mundo) quanto as outras manifestações artísticas da nossa colcha de retalhos cultural.
Assista abaixo o trailer de Dois Coelhos (2012):
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