Turismo

Projeto campineiro promove passeios por lugares “assombrados”

14 de julho de 2022

Já ouviu falar sobre o projeto “O que te assombra?” A iniciativa, muito bacana, nasceu em Campinas, e busca contar histórias e lendas urbanas que se transformam em roteiros por locais na cidade com histórico de “assombrações”. A atividade, sempre gratuita ao público, é parte do projeto que reúne uma série de episódios no Youtube.

De acordo com o roteirista e compositor Thiago de Souza, um dos idealizadores, a ideia surgiu a partir da leitura da obra “Assombrações do Recife Velho”, de Gilberto Freyre. “Li o livro e fiquei apaixonado com essa ideia de contar as histórias da cidade, levando em conta o recorte social, os motivos da concepção da morte de uma pessoa e o nascimento das assombrações. Elas são resultado de uma ferida social. Campinas tem ocultamento de sua história, então, a gente precisava contar e ouvir as histórias da cidade”, comenta.

O projeto que começou na cidade criou uma metodologia e já foi levado para outros municípios, como a capital São Paulo, Piracicaba e Santos, apresentando os personagens assombrados destas cidades. Tudo começa por meio de investigação: primeiro é encontrada uma história, depois ela é gravada em vídeo (que vai para o canal do Youtube) e então, depois disso, é feito um roteiro para os passeios.

Foto: túnel da Vila Industrial/Thiago de  Souza (divulgação)

E em Campinas, já ganhou outros formatos. Além dos passeios pela região Central e cemitério da Saudade, entre outros locais, também estão sendo promovidos passeios noturnos na Mata Santa Genebra.

O nome do projeto é também uma provocação, que convida as pessoas a refletirem sobre o que realmente as assombra: os supostos fantasmas? Ou a história por traz em cada um deles?

Para Thiago, as histórias fornecem “diagnósticos da nossa sociedade”, uma vez que, especialmente em Campinas, são achadas histórias ligadas a escravidão (como o caso do Elesbão) e machismo estrutural (como o caso de Maria Jandira), por exemplo. “Podemos incitar grandes debates tendo como gancho as histórias de assombração; podemos ter debates muitos profundos sobre diversidade, o enfrentamento desses preconceitos e o desenvolvimento de empatia para quem sofre esses preconceitos ainda hoje”, argumenta.

Em Campinas, os passeios têm uma procura alta, reunindo em torno de 150 participantes nas edições. O crescimento é constante, e inusitado, visto que os idealizadores não previam no projeto realizar os passeios quando começaram a atividade.

A série, que ainda reúne outros profissionais: o músico Silo Sotil, a jornalista Júlia Zampieri, e o artista plástico Matheus Hass, traz casos de aparições fantasmagóricas na cidade que povoam a imaginação dos campineiros por décadas, com a proposta de trazer à luz da atualidade assombrações históricas, aparições, maldições, almas penadas, as circunstâncias de suas mortes, aspectos de suas vidas pessoais e, principalmente o cenário social de suas épocas.

“Acreditamos que as assombrações têm sempre algo a nos dizer. Uma injustiça, um preconceito, uma covardia, um desencontro, um desamor. Muitas vezes elas são feridas pessoais, comunitárias e sociais, não cicatrizadas”, afirma Souza.

“A história mesmo do Elesbão (homem negro escravizado), por exemplo, tem um significado tão grande, não só pela tragédia, pela atrocidade cometida contra ele, é uma vergonha para a cidade, mas porque mudou o nome de coisas, e a gente conta a história dele, e gosto muito dessa capacidade das histórias, ao serem reveladas, fazem as pessoas refletir”, comenta Souza. Já a Maria Jandira, uma personagem da história de Campinas, de família rica e bastante conservadora, foi expulsa de casa por manter hábitos liberais e liberdade sexual, tendo se tornado prostituta, até que ficou noiva e ia se casar, mas com a pressão social, o noivo desistiu do casamento. Assim, ela se vestiu de noiva e ateou fogo ao próprio corpo. Uma das sepulturas mais visitadas no cemitério da Saudade, cujos devotos buscam apoio relacionado ao matrimônio e um bom parto.

E o projeto vem ganhando novos horizontes. Karen Galetto, mestranda de patrimônio cultural pela Universidade do Minho, em Portugal, não só participou dos passeios, como levou o projeto para sua tese de mestrado em terras portuguesas.

Por conta da pandemia, Karen, natural de Limeira, voltou para o Brasil, onde teve que achar um projeto que se encaixasse no tema do mestrado: turismo sombrio. Sobre a experiência do passeio, a mestranda relata que foi muito interessante e que acredita que o projeto deva ser expandido cada vez mais, dizendo que “é importante atrair as pessoas de fora”, para que as histórias, os lugares, alcancem cada vez mais o público.

Além disso, o projeto também tem o propósito de imortalizar casos no mundo virtual, para que eles estejam disponíveis para as futuras gerações e para apreciadores do gênero, devido ao aspecto de que os relatos de assombrações sempre foram transmitidos de maneira oral e vem se perdendo ao longo do tempo.

Confira as redes sociais do projeto para ficar por dentro das datas dos passeios: canal do Youtube / www.instagram.com/oqueteassombra.

Foto no alto: divulgação/reprodução redes sociais

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