(*) Por Rebecca Ferreira Carvalho
Oscar chegando e mais uma obra cinematográfica, não americana, nas principais indicações. Em 2020, o filme coreano “Parasita” conquistou a
estatueta. Será que este ano é a vez de um filme japonês?
“Drive My Car” nos faz refletir sobre as fases do luto e as diferentes ressignificações que esse processo acarreta em cada personagem. Este
processo é conhecido como modelo Kübler-Ross e foi cunhado pela psiquiatra uíça-americana Elisabeth Kübler-Ross em seu livro “Sobre a morte e morrer”. Ela define morte como “uma grande dor, um pesar profundo” e morrer como “perder a vida, falecer, findar-se”. A autora também define as cinco etapas do luto denominadas: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação.
(spoilers a seguir)
O processo de luto
O filme é cercado por morte e perdas das mais diversas formas. Os personagens que são caracterizados e representados por esse processo são,
primeiramente, Yusuku e Oto Kafuku devido à morte de sua filha na parte inicial da história. Após temos Yusuke Kafuku e Koji Takatsuki com a morte de Oto Kafuku; Misaki Watari pela morte de sua mãe (e personificação da melhor amiga) e Lee Yoon-na (Park Yoo-rim) pelo aborto espontâneo.
A primeira fase do luto é denominada “Negação”. Nesta fase o sujeito usa da negação da morte como um “mecanismo de defesa” que alivia,
um pouco, o impacto da notícia. No filme é representada pelo afastamento de alguns personagens do convívio social. Observamos o casal Yusuku e Oto que deixam seus empregos após perderem sua filha. Depois disso observamos essa fase mais claramente em Yusuku e Koji ao perderem Oto, e com Lee Yoo, na que não consegue mexer seu corpo após o aborto.
A fase da “Raiva” é representada de forma mais expressiva pela agressividade de Koji com as pessoas que tiravam sua foto. Nesta fase, em geral, os indivíduos podem se revoltar contra sua própria vida, a dos outros etc. É comum observamos ressentimento, inveja e ódio.
Outro momento no filme, que creio ser muito interessante, é a demonstração da interligação destas fases. Para Yusuku, ocorre ao mesmo momento em que ele consegue elaborar sua fase de “aceitação”, revelando um pouco mais como elas são acronológicas e podem aparecer em momentos diferentes juntas e misturadas. Esta parte do filme é representada quando o personagem é levado por Misaki Watari a conhecer a cidade onde nasceu.
Nesta parte ela fala sobre sua mãe e ele consegue se abrir contando um pouco sobre sua esposa, como ele queria que ela estivesse viva e o que faria se ela existisse. Observamos a raiva por ela ter morrido e, ao mesmo tempo, a saudade e o amor.
A fase da “Barganha” e da “Depressão” são descritas nos diálogos dos personagens ao retomar o tema morte. Estas são expressamente interligadas nos discursos, reforçando o interligamento e acronologia.
Enquanto na “Barganha” os indivíduos tentam fazes negociações com forças sobrenaturais ou espirituais que possam ajudar a retomar o que foi
perdido, na depressão o mesmo é inserido dentro de um sofrimento profundo onde podem ocorrer período de isolamento, introspeção e dor.
Um exemplo no filme seria quando Koji está conversando com Yusuke no bar do hotel e no carro tentando relembrar Oto, suas conversas e interligações. Os dois sujeitos demostram como estavam passando por essas etapas e por suas perdas.
Por fim a fase da “Aceitação” dos personagens é retomada das mais diversas formas, como ela se entrelaçou na fase de raiva do personagem principal, mas também observamos de forma, bem clara, no final do filme quando Misaki Watari está no mercado comprando e volta para o carro com um cachorro. Seu rosto e aparência mudaram e agora ela é apresentada com lindo animal.
Assim como no filme, o luto é um processo. Não é vivido de um dia para o outro e difere em cada indivíduo. Os mais diversos momentos e tempos que os personagens vivenciam, também representam nossas vidas em nossos lutos. É necessário lembrarmos como as pessoas são diferentes e respeitar os espaços individuais.
Filme brilhante com três horas de duração. Vale cada minuto.
Nota: 8,5/10
Referência: Kuble r-Ross E. Sobre a morte e o morrer. Rio de Janeiro: Editora Martins Fontes; 1985.
Rebecca é psicóloga com especialização em “Psicanálise e contos de fadas”. É mestranda em psicologia pela PUC-Campinas. Apaixonada por filmes, séries, jogos e animes. Escreve sobre como essas mídias se entrelaçam com nossa vida e psiquê.
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