(*) Por Sandra Racy
Cidades como Campinas que tem na sua formação a mistura da indústria e a agricultura desde o século XIX, foram crescendo ao longo do tempo, gerando vilas e bairros inteiros com histórias ligadas a estes eixos em função das negociações e mão de obra que tocavam os empreendimentos.
Com o café influenciando o desenvolvimento da cidade, chegaram as ferrovias, a indústria de ferro e a Vila Industrial, que surgiu como um bairro proletário no final do século XIX, diretamente associado à instalação das Companhias de Estrada de Ferro Paulista (1872) e Mogiana (1874).
Foi o primeiro bairro operário de Campinas, composto por várias casas e pequenas vilas, dentre elas a Manoel Freire, que é tombada pelo Condepacc desde 1994.
Hoje, a “Vila”, como é conhecida, ainda mantém remanescentes e características deste período. E aos poucos ela desperta interesse de especialistas como arquitetos, jornalistas e até mesmo investidores com anseios de recuperar a memória local.
Quem visita a Vila Industrial, principalmente a pé, vê nela uma influência do que foi preservado e recentemente de novos investimentos e recuperação de prédios antigos que guardam um pouco dessa história do começo do século. As suas ruas têm muita história para contar sobre o crescimento da cidade. E, assim, andando pelas ruas, descobri que a Vila Industrial vai ganhar um prédio restaurado, com ligação à cultura do café.
O empreendimento se chama Vila Itália, localizado na rua Perdizes, com a sede no casarão construído no bairro no início do século XX por Vincenzo Guariglia. Italiano, natural de Santa Maria de Castelabatte, junto a tantos imigrantes do país foi atraído a Campinas pelas fazendas.
Segundo o advogado Tiago J. de Melo, descendente direto de Vincenzo Guariglia, ele resolveu fixar moradia definitiva no Brasil em 1912, em Campinas, foi proprietário de diversas casas de carne da cidade, inclusive do Mercado Municipal, e sócio do famoso Matadouro localizado na Vila Industrial.
História
Em 1921, Guariglia adquiriu o equivalente a 25.000 m² de terras localizadas na Vila Industrial, na Rua das Perdizes, local onde construiu o casarão que se tornou seu lar e também seu comércio.
O casarão tem uma passagem interessante na história da cidade de Campinas, quando serviu de refúgio para dezenas de famílias durante o bombardeio aéreo que a cidade sofreu em 1932, durante a Revolução Constitucionalista.
Melo explica que o casarão, como é conhecido, foi modificado nos anos 1970 e está atualmente sendo restaurado da forma original por ele e seu pai e incentivador Aparecido Retali de Melo. Tiago faz parte da 5ª geração da família.
Segundo Melo, a ideia do restauro passa não só pela conservação arquitetônica, mas também em disponibilizar à população as memórias e histórias do local.
O casarão comemorou seu centenário em novembro de 2021. O auge foi na década de 1920/30, quando o proprietário e construtor Vincenzo Guariglia decidiu investir também no ramo do café, fazendo do local, além de sua própria moradia que situava-se no primeiro andar, um armazém de grãos selecionados de café.
O Armazém ficava no andar térreo do casarão, onde havia muitas mesas com várias funcionárias que eram contratadas para que o café, que era apanhado bruto, fosse selecionado em seus melhores grãos. Isso fez com que o local ganhasse grande destaque no ramo cafeeiro da cidade.
As funcionárias em grande parte eram moradoras da “coloninha”, um complexo em torno de 20 casas construídas atrás do casarão pelo proprietário, que se tornou um dos grandes nomes do comércio de Campinas.
O café era comprado dos diversos produtores das fazendas de café da região, em seguida eram selecionados os melhores grãos e ensacados para venda no local.
Para a arquiteta Ana Villanueva, que tem vários estudos sobre a Vila Industrial, a localização do bairro ao lado do pátio ferroviário central das antigas Cia Paulista e Cia Mogiana, facilitou o desenvolvimento do comércio local.
Foto – crédito: arquivo pessoal
Segundo Villanueva, neste pátio ferroviário existiam dois armazéns para depósito de grãos de café, o que deu um empurrãozinho ao comércio do italiano Vincenzo Giglardia, na Vila Industrial.
Os dois armazéns que mais se destacaram foram: o armazém 1, da Cia Paulista próximo ao viaduto Miguel Vicente Cury (onde hoje localiza-se a Ceprocamp), e o armazém 2, também da Cia Paulista, porém, utilizado pela Cia Mogiana. Este armazém situava-se mais próximo ao estabelecimento do sr. Vincenzo (próximo a atual rodoviária).
Os dois armazéns tinham grandes dimensões para a época e esta amplitude testemunha a grande produção do café em Campinas.
“O grande impulso para consolidação deste pátio ferroviário veio entre os anos de 1900 e 1922, com a construção das oficinas da Cia Mogiana próximas ao lado do armazém 2, e da casa de comércio de grãos da rua Perdizes 101”, comenta a arquiteta
Ainda sobre o desenvolvimento do comércio e arquitetura, ela ressalta que o desenvolvimento de grandes construções ferroviárias pode ter levado o Sr. Vincenzo a construir sua casa e comércio nas proximidades.
Segundo Tiago de Melo, a ideia é inaugurar o espaço, que receberá eventos e terá um pequeno museu e cafeteria, em abril deste ano.
Para mais informações e acesse: @espacovilaitalia.
(*) Sandra Racy é jornalista e barista
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