(*) Por Sandra Racy
Para celebrar o Dia Mundial do Café, comemorado em 14 de abril, vamos conhecer a história de Dona Ivone, como ficou conhecida a campineira Ivone Botone Bazioli, que reúne conhecimento, respeito, muita experiência e técnicas de quem esteve ao lado dos maiores pesquisadores de café do país, expandindo o trabalho com o cultivar por todo mundo. A senhora de 88 anos, de fala mansa, firme e suas frases certeiras, demostra conhecimento através de lembranças de quem atuou ao lado de importantes geneticistas do Instituto Agronômico de Campinas (IAC) durante 65 anos, no apoio às pesquisas das variedades de café Mundo Novo e Catuaí.
Recentemente, emprestou seu nome para uma bolsa de estudos internacional que busca igualdade racial no setor cafeeiro, e ela entende que isso se deu pelo reconhecimento da sua dedicação ao café. “Trabalhei com Dr. Alcides (Alcides Carvalho, geneticista), principalmente. Assim que ele adentrava no Instituto, já me chamava e íamos trabalhar. Eu ia pro campo, catalogava as informações, mexia nos frutos e sementes, amava fazer isso”, lembra. Esta rotina se deu até sua aposentadoria, mas se prolongou por mais de 30 anos, completando 65 anos de trabalho no Instituto Agronômico de Campinas.
Filha de uma italiana com um brasileiro negro, ela conta que os pais eram do cultivar, de “uma família simples de roça”, como define, e estudou na Escola Mista da Fazenda Santa Elisa, do IAC. “Depois que tirei diploma da 4ª série [atual 3º ano do ensino fundamental], com 12 anos, fiquei ajudando a minha mãe em casa: fazia comida, lavava roupa. Tomei conta da casa durante 2 anos. Depois eu enjoei e fui procurar trabalho”, comenta.
Dona Ivone relembra que entrou para trabalhar no Instituto com apenas 16 anos, em 1949. “Eu fui indicada, tive que fazer um teste bem simples, das 4 operações, multiplicar, dividir…uma cópia de um livro, ler um texto e fui aprovada”, conta. Ela se aposentou em 1979, com apenas 48 anos. “Eu me sentia muito nova e com energia para continuar trabalhando, assim fiquei no IAC até 2014.” E apesar de ter estudado apenas até a 4ª série na época, foi justamente essa formação que abriu as portas para ela no IAC.
As lembranças são muito positivas. “Sinto falta do campo, da florada do café, que é linda, de pegar a caminhonete e sair dirigindo, dos amigos”, ressalta. “Quando eu parei de trabalhar [com 80 anos], comecei a sentir muita falta. Então, eu ia almoçar na fazenda todos os dias. Mas, com a pandemia, não deu mais”, diz Dona Ivone, que já foi vacinada contra a Covid-19.
Equidade racial no café
Toda essa história tem continuação na forma de reconhecimento não somente no Brasil, mas também internacional. A contribuição dela para com as pesquisas do café fez com que emprestasse o seu nome para uma bolsa de estudos da Coffee Coalition Racial Equity, a Coalizão Internacional para a Equidade Racial no Café. A Dona Ivone Scholarship (Bolsa de Estudos Dona Ivone), lançada no dia 19 de março, vai apoiar o estudo de universitários e profissionais que atuam no setor cafeeiro.
A coalização surgiu nos Estados Unidos em 2020 e tem o objetivo de construir uma indústria do café “racialmente diversa e equitativa, onde todos os talentos possam ser reconhecidos”. No dia do lançamento da bolsa, um documentário sobre Dona Ivone, realizado pela Rede Social do Café em 2020, foi traduzido para o inglês.
“Em 2010 teve inicio no Brasil uma iniciativa que veio a culminar com a Aliança Internacional das Mulheres do Café (IWCA Brasil). Inspirado pela IWCA e pela historia de vida da Dona Ivone resolvemos fazer um documentário sobre sua trajetória, e de que forma tinha apoiado o desenvolvimento da cafeicultura nacional. Em 2019 recebemos no IAC uma delegação da IWCA com a presença da sua presidente, Phyllis Johnson, e minha surpresa foi levar a Dona Ivone para conhecê-las. Atualmente Phyllis lidera também a Coalizão para Equidade Racial do Café”, explica o pesquisador do IAC Sérgio Parreiras.
Mundo Novo e Catuaí
De acordo com Parreiras, de 70% a 80% do que é plantado de café arábica no Brasil vem das espécies Catuaí e Mundo Novo, essas duas são as mais relevantes. Segundo o pesquisador, quando Dona Ivone entrou no IAC, estavam em curso as pesquisas sobre a Mundo Novo, cultivar que foi disponibilizado para uso comercial em 1952.
Para o pesquisador, o que encanta é saber que isso tudo passou pelas mãos cuidadosas e delicadas da Dona Ivone. “A Dona Ivone é respeitada por todas as gerações de pesquisadores que passaram pelo IAC, pela pessoa dela, pela seriedade, pelo carinho com que ela desenvolveu o trabalho dela por uma vida inteira”, conta Parreiras.
(*) Sandra Racy é barista e jornalista
Newsletter:
© 2010-2025 Todos os direitos reservados - por Ideia74